domingo, 4 de novembro de 2018

O PESADELO CAIU SOBRE O BRASIL


O resultado das eleições presidenciais do passado domingo no Brasil deixou todo o mundo democrático em estado de choque. Depois da chegada ao poder de governos claramente conotados com a extrema-direita por todo o planeta e quando se pensava que pior não poderia acontecer, eis que um dos maiores países do mundo, o Brasil, elegeu um presidente que não usa qualquer rebuço para apregoar as suas ideias incontestavelmente fascistas – não tenhamos qualquer dúvida de que este é o termo apropriado. Estamos perante uma daquelas situações que se sabe como tudo começa mas se desconhece como acaba.
A crónica que a Marisa Matias assina no DN de hoje versa exactamente sobre o resultado das eleições no Brasil e, dada a sua qualidade, abstivemo-nos de retirar dela apenas algumas citações, optando por aqui deixar o texto integral sob pena de desvirtuarmos todo o seu significado.

Sérgio Moro não é um homem qualquer, não é um juiz qualquer, não é uma pessoa neutra na recente história do Brasil. Desde a destituição de Dilma Rousseff à prisão de Lula da Silva, Sérgio Moro fez todo o trabalho que tinha de fazer para desacreditar a separação de poderes, para fazer da justiça brasileira o aliado forte das manobras políticas. Várias foram as vozes que alertaram para a existência de uma agenda política clara, mas muitas também se levantaram para dizer que não havia qualquer agenda, qualquer plano, apenas e tão-só uma mão forte, um homem forte, a "limpar a corrupção" do sistema político brasileiro, tendo ele próprio reiterado em duas entrevistas recentes que jamais entraria na política. Não vou dedicar nem uma linha deste texto a discutir o caso Lula da Silva, mas hoje não restam dúvidas: Sérgio Moro tinha um plano, sim, e agora já não há como escondê-lo
Nesta semana que se seguiu à eleição presidencial brasileira já tivemos o apelo à delação de professores que possam ter apoiado Haddad, já tivemos o apelo ao boicote aos artistas que não apoiaram Bolsonaro e tivemos a nomeação de Sérgio Moro para ministro da Justiça. Moro diz ter aceitado o convite com "pesar" por abandonar a magistratura e se dedicar à política. Disse ainda fazê-lo em nome do combate à corrupção e ao crime organizado. O que não disse Sérgio Moro é que ele tem sido um dos atores mais presentes na política brasileira, não está a entrar num terreno novo porque este é o terreno de onde ele não saiu. A corrupção minou o sistema político brasileiro nas últimas décadas e não deixou nenhum partido de fora. Se é verdade que o PT foi alvo de perseguição política nos últimos anos, também é verdade que se deixou enrolar em esquemas e planos que não devem ficar impunes. Temer, Bolsonaro e Moro são alguns dos homens que se aproveitaram bem dessa realidade, mas o que não são é defensores ativos da justiça. A corrupção permanece, mas a acusação é seletiva. O povo continua a sofrer. As desigualdades prevalecem. Temer e Bolsonaro disseram ao que vinha, Moro foi a ferramenta vital para a agenda política de ambos e, como agora se pode constatar, para a sua própria agenda. Não se poderá agora continuar a dizer que ela não existia. Não se poderá agora calar esta nomeação como algumas pessoas calaram a ameaça fascista que representa Bolsonaro.
Bolsonaro e Moro são parte do mesmo problema: dizem querer salvar o país que a cada dia afundam num mar de divisão e de autoritarismo. Dizem defender os mais fracos ao mesmo tempo que os atacam. Dizem ser do povo quando nunca foram outra coisa senão antagonistas do povo. Bolsonaro e Sérgio Moro apresentam-se como os novos homens fortes, mas tudo neles é sinal de fraqueza. É essa fraqueza que justifica a brutalidade das suas ações e das suas agendas. É essa fraqueza que se apoia numa ideia totalitária e autoritária de sociedade onde não há espaço para quem pense de maneira diferente da sua. É essa fraqueza que nos enfraquece a todos como humanidade. Os fracos homens fortes vão tomando conta dos vazios, mas deles não se poderá esperar outra coisa que não seja o aprofundamento dos tempos de escuridão. E é por isso que cada um dos dias que vêm terá de ser um dia de luta, de resistência e de alegria. Para que vençam os verdadeiramente fortes.

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