quinta-feira, 8 de novembro de 2018

PELA DEFESA ACÉRRIMA DO SNS



Não é demais repetir que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um bem de inestimável valor, uma das maiores conquistas que o 25 de Abril nos proporcionou e cuja importância muitos portugueses desconhecem na sua globalidade, em especial os mais jovens.
A defesa do SNS por parte da população portuguesa deve constituir uma das suas prioridades de vida que nunca deve ser esquecida, particularmente na altura dos actos eleitorais. A recente passagem do PSD e CDS pelo Governo vem provar-nos que a direita tudo fará para destruir o SNS e transformar a saúde num negócio. Aliás, é bom que se repita até à exaustão, se necessário for, que o negócio da saúde é o segundo mais rentável, logo a seguir ao das armas e o capitalismo neoliberal, actualmente dominante, não o esquece.
As pessoas devem estar primeiro e a luta pela manutenção de um SNS actuante e eficaz não pode ser esquecida por ninguém. Por isso mesmo é determinante que se divulguem as posições daqueles que levantam a sua voz em defesa do serviço público de saúde. Está nesta situação o médico e professor de Saúde Pública, Cipriano Justo, que assina no “Expresso” do último sábado um artigo de opinião em que o tema de fundo é a Lei de Bases da Saúde e que reproduzimos a seguir.

É conhecida a figura de Polichinelo, aquela personagem da commedia dell’arte, que vive na ilusão de guardar um segredo que já é do conhecimento geral. Assim está a acontecer com o trabalho realizado pela comissão nomeada pelo Governo para elaborar os termos de referência da Lei de Bases da Saúde, entregue no dia 3 de setembro, dado a conhecer ao Presidente da República três dias depois, que circulou pelos secretários de Estado e, tanto quanto se sabe, anda a fazer o circuito pelos serviços centrais do Ministério da Saúde. Nestas circunstâncias era inevitável que, num ponto qualquer do circuito, o documento descarrilasse, iniciando uma viagem pelos olhares de quem se esperava ficar resguardado.
Estamos, assim, perante uma situação ridícula. O Governo não tomou a iniciativa de divulgar o trabalho que encomendou, mas o trabalho encarregou-se de escolher o modo mais rápido e informal de se dar a conhecer, o forward. Foi assim que um já vasto número de pessoas, exteriores aos gabinetes governamentais e da hierarquia do Ministério da Saúde, teve acesso ao trabalho, já o analisou e tem uma opinião formada sobre ele. Porém, Polichinelo continua a viver na ilusão de que ainda é o guardião do segredo, quando o segredo já anda por aí, de boca em boca e de mão em mão.
Tendo migrado diretamente da comissão para o Governo, de que o primeiro responsável é o primeiro-ministro, é legítimo questionar a razão pela qual António Costa quer tanto manter sigiloso um documento que há de constituir o ponto de partida para as escolhas que o Executivo vier a fizer sobre esta matéria. O trabalho da comissão é tão mau que se envergonha dele, e de o divulgar? O documento é tão bom que receia reações extremadas de quem cresceu e se desenvolveu à sombra do ano de 1990? O documento é uma coisa insípida que mais valia a comissão nem sequer se ter dado ao trabalho de o produzir? O que está a levar o primeiro-ministro a não dar conhecimento público de um trabalho cujo tema levou vários milhares de horas a ser discutido em todo o país, pelos mais variados sectores profissionais, com várias tomadas de posição e abaixo-assinados, inclusive?
Todas as conjeturas são, por isso, legítimas, até que se tenha conhecimento formal do que a comissão entregou ao Governo. A principal é a existência, no seio do Partido Socialista e da direita, de quem se manifestou sempre contra a necessidade de se proceder à revisão da Lei de Bases da Saúde, de 1990, a tal que abriu as portas à invasão do Serviço Nacional de Saúde pelo sector privado. Deixar cair no esquecimento tão importante medida legislativa é, para todos os efeitos, dar cobertura a estes sectores, é alimentar os argumentos de quem defende que tudo se resume a um choque de gestão e de financiamento, quando, de facto, se trata de um problema de escolha de política de saúde. Foi um problema no passado, será o problema do futuro se nada se fizer.
Se até 3 de setembro todo o debate foi canalizado para que o trabalho da Comissão governamental representasse o enquadramento conceptual e orientador do que de melhor há de ser o SNS na passagem do seu 40º aniversário, agora impõe-se conhecer o que foi produzido para se avançar na discussão pública, mas também para ser contrastado com o que o Governo vier a apresentar na Assembleia da República como sua proposta de lei. Devem ser estas as regras da democracia. Não sendo segredo de Estado, nem estando sujeito ao segredo de justiça, tudo deve ser conhecido de todos.

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