A
bazofia, porque é mesmo de uma bazofia que se trata, da ministra das Finanças
quando afirmou que os cofres do Estado se encontram “cheios” não resiste a uma
análise da realidade nem a uma simples questão: se os cofres estão cheios, como
é que continuamos a acumular défices públicos?
O
texto seguinte (*) foi transcrito do Expresso Economia de ontem e nele é feito um
pequeno balanço das políticas financeiras levadas a cabo nestes últimos quatro
anos. Mais uma vez se constata que cidadão português prevenido é aquele que não
acredita na retórica do Governo.
No
início do último quarto do século XX, Portugal estava na cauda da Europa, não só
em termos de riqueza produzida anualmente por habitante, mas também no que diz
respeito aos principais indicadores sociais como sejam, por exemplo, a
mortalidade infantil e a taxa de analfabetismo. No entanto, as toneladas de
ouro acumuladas ao longo de cerca de 50 anos permitiam sustentar a afirmação de
que o País tinha os cofres cheios. E era verdade.
Quando
o novo século chegou, Portugal já tinha deixado os lugares incómodos de
lanterna vermelha europeu em muitos dos indicadores económicos e sociais e,
nalguns deles, passou mesmo para as posições cimeiras, como foi no caso da
mortalidade infantil. Isto foi possível, porque a democracia abriu as portas às
políticas públicas nas diversas áreas sociais – saúde, educação e protecção social
– que, consistentemente, puxaram o País para a frente. Quando a crise
financeira internacional de 2008 abalou todas as economias do planeta, as
dívidas públicas (soberanas) subiram significativamente em todo o mundo e, em
particular, na Europa, onde desde o início do século existia uma nova moeda
comum – o euro. Com receio que o problema das dívidas dos estados pusesse em
causa a estabilidade do euro, a ordem para os países mais endividados, emanada
das instituições da União Europeia, foi cortar despesa pública, principalmente
salários e pensões, e aumentar impostos. A dose de austeridade aplicada é agora
a posteriori considerada excessiva. Os
efeitos recessivos na economia foram drásticos e as consequências sociais
dolorosas. E a dívida pública? Não baixou mas subiu, subiu.
De
acordo com as estatísticas divulgadas pela agência portuguesa que tem a seu
cargo a gestão da dívida do estado – IGCP – a dívida direta do Estado passou de
€158 117 milhões em 30 de abril de 2011 para €220 342 milhões em 30
de abril de 2015. Portanto, registou-se uma subida de €62 225 milhões, neste período de quatro
anos vividos sob uma austeridade excessiva. Os cofres do Estado pode agora, por
razão do aumento da dívida, ter algumas disponibilidades financeiras, mas
cheios seguramente não estão. As gerações futuras terão de suportar as
avultadas amortizações desta dívida contraída depois de Abril de 2011 mas as
gerações presentes já estão a pagar a pesada fatura dos encargos com juros que já
ultrapassa os €8 mil milhões por ano.
A
amarga experiencia da Grande Recessão – designação que foi dada ao período recessivo
que se seguiu ao colapso do banco Lehman Brothers em setembro de 2008 – mostrou
que ao alicerces do capitalismo financeiro exuberante, que levou a economia
mundial até à beira do abismo, eram de barro. Onde a regulação não existia e a supervisão
não chegava, campeou a promiscuidade entre grupos económicos as instituições
monetárias e financeiras, pondo em risco o dinheiro de aforradores e
investidores. É altura de os Estados tirarem daí as devidas ilações e tomarem
medidas nas áreas de regulação e supervisão financeiras que previnam que novos
desastres venham a acontecer com todo o cortejo de consequências negativas para
o nível de emprego e do bem-estar social. Se em vez disso, se se persistir no
velho caminho – na fé cega nos méritos dos mercados financeiros – bem podemos
temer pela próxima crise ao virar da esquina.
Mas
como poderiam os cofres estar cheios, se continuamos a acumular défices nas
contas públicas? A Direção Geral do Orçamento divulgou há pouco tempo os
resultados da execução orçamental dos quatro primeiros meses deste ano – pouco comentados,
note-se. O défice da Administração Central do Estado situa-se já em €2 585
milhões. Em ano de eleições não espanta que esteja umas centenas de milhões
acima do valor de 2014, mas o que é extraordinário é que depois do discurso da
diferença em relação ao governo anterior relativamente ao controlo da despesa
pública, as contas de 2015 estejam mais desequilibradas que no mesmo período de
2011!. Com efeito, descontando o défice de €425 milhões das chamadas Entidades
Públicas Reclassificadas (EPR) para se poder comparar, de foram rigorosa, com o
resultado dos mesmos quatro meses de 2011, temos que o agravamento daquele
indicador se cifrou em € 612 milhões. Assim, por mais que se esqueçam as
estatísticas e se enviesem os argumentos, dificilmente se poderá concluir que
valeram a pena os sacrifícios e que estejamos no caminho certo que leva a
sustentabilidade das finanças públicas. Por outro lado, a redução da despesa
pública não passa de mera retórica: descontando uma vez mais o efeito das EPR –
o que retira ao Governo a legitimidade de usar esse argumento -, a despesa
corrente da Administração Central aumentou €2 724 milhões no período janeiro-abril
por comparação com idêntico período de 2011. Não havendo progressos na consolidação
da despesa, o objetivo da redução do défice tem sido exclusivamente alcançado
do lado da receita: em relação aos quatro primeiros meses de 2011, o Estado
cobrou mais de €1 340 milhões em impostos. Este aumento de receitas
fiscais é, ainda assim, manifestamente inferior ao acréscimo da despesa, daí
que se tenha verificado uma deterioração do défice no período em análise. São estes
os factos, é este o balanço de uma política que dura há quatro anos.
(*) Emanuel
Augusto dos Santos, economista
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