domingo, 14 de junho de 2015

A BAZOFIA DOS COFRES CHEIOS


A bazofia, porque é mesmo de uma bazofia que se trata, da ministra das Finanças quando afirmou que os cofres do Estado se encontram “cheios” não resiste a uma análise da realidade nem a uma simples questão: se os cofres estão cheios, como é que continuamos a acumular défices públicos?
O texto seguinte (*) foi transcrito do Expresso Economia de ontem e nele é feito um pequeno balanço das políticas financeiras levadas a cabo nestes últimos quatro anos. Mais uma vez se constata que cidadão português prevenido é aquele que não acredita na retórica do Governo.
No início do último quarto do século XX, Portugal estava na cauda da Europa, não só em termos de riqueza produzida anualmente por habitante, mas também no que diz respeito aos principais indicadores sociais como sejam, por exemplo, a mortalidade infantil e a taxa de analfabetismo. No entanto, as toneladas de ouro acumuladas ao longo de cerca de 50 anos permitiam sustentar a afirmação de que o País tinha os cofres cheios. E era verdade.
Quando o novo século chegou, Portugal já tinha deixado os lugares incómodos de lanterna vermelha europeu em muitos dos indicadores económicos e sociais e, nalguns deles, passou mesmo para as posições cimeiras, como foi no caso da mortalidade infantil. Isto foi possível, porque a democracia abriu as portas às políticas públicas nas diversas áreas sociais – saúde, educação e protecção social – que, consistentemente, puxaram o País para a frente. Quando a crise financeira internacional de 2008 abalou todas as economias do planeta, as dívidas públicas (soberanas) subiram significativamente em todo o mundo e, em particular, na Europa, onde desde o início do século existia uma nova moeda comum – o euro. Com receio que o problema das dívidas dos estados pusesse em causa a estabilidade do euro, a ordem para os países mais endividados, emanada das instituições da União Europeia, foi cortar despesa pública, principalmente salários e pensões, e aumentar impostos. A dose de austeridade aplicada é agora a posteriori considerada excessiva. Os efeitos recessivos na economia foram drásticos e as consequências sociais dolorosas. E a dívida pública? Não baixou mas subiu, subiu.
De acordo com as estatísticas divulgadas pela agência portuguesa que tem a seu cargo a gestão da dívida do estado – IGCP – a dívida direta do Estado passou de €158 117 milhões em 30 de abril de 2011 para €220 342 milhões em 30 de abril de 2015. Portanto, registou-se uma subida de  €62 225 milhões, neste período de quatro anos vividos sob uma austeridade excessiva. Os cofres do Estado pode agora, por razão do aumento da dívida, ter algumas disponibilidades financeiras, mas cheios seguramente não estão. As gerações futuras terão de suportar as avultadas amortizações desta dívida contraída depois de Abril de 2011 mas as gerações presentes já estão a pagar a pesada fatura dos encargos com juros que já ultrapassa os €8 mil milhões por ano.
A amarga experiencia da Grande Recessão – designação que foi dada ao período recessivo que se seguiu ao colapso do banco Lehman Brothers em setembro de 2008 – mostrou que ao alicerces do capitalismo financeiro exuberante, que levou a economia mundial até à beira do abismo, eram de barro. Onde a regulação não existia e a supervisão não chegava, campeou a promiscuidade entre grupos económicos as instituições monetárias e financeiras, pondo em risco o dinheiro de aforradores e investidores. É altura de os Estados tirarem daí as devidas ilações e tomarem medidas nas áreas de regulação e supervisão financeiras que previnam que novos desastres venham a acontecer com todo o cortejo de consequências negativas para o nível de emprego e do bem-estar social. Se em vez disso, se se persistir no velho caminho – na fé cega nos méritos dos mercados financeiros – bem podemos temer pela próxima crise ao virar da esquina.
Mas como poderiam os cofres estar cheios, se continuamos a acumular défices nas contas públicas? A Direção Geral do Orçamento divulgou há pouco tempo os resultados da execução orçamental dos quatro primeiros meses deste ano – pouco comentados, note-se. O défice da Administração Central do Estado situa-se já em €2 585 milhões. Em ano de eleições não espanta que esteja umas centenas de milhões acima do valor de 2014, mas o que é extraordinário é que depois do discurso da diferença em relação ao governo anterior relativamente ao controlo da despesa pública, as contas de 2015 estejam mais desequilibradas que no mesmo período de 2011!. Com efeito, descontando o défice de €425 milhões das chamadas Entidades Públicas Reclassificadas (EPR) para se poder comparar, de foram rigorosa, com o resultado dos mesmos quatro meses de 2011, temos que o agravamento daquele indicador se cifrou em € 612 milhões. Assim, por mais que se esqueçam as estatísticas e se enviesem os argumentos, dificilmente se poderá concluir que valeram a pena os sacrifícios e que estejamos no caminho certo que leva a sustentabilidade das finanças públicas. Por outro lado, a redução da despesa pública não passa de mera retórica: descontando uma vez mais o efeito das EPR – o que retira ao Governo a legitimidade de usar esse argumento -, a despesa corrente da Administração Central aumentou €2 724 milhões no período janeiro-abril por comparação com idêntico período de 2011. Não havendo progressos na consolidação da despesa, o objetivo da redução do défice tem sido exclusivamente alcançado do lado da receita: em relação aos quatro primeiros meses de 2011, o Estado cobrou mais de €1 340 milhões em impostos. Este aumento de receitas fiscais é, ainda assim, manifestamente inferior ao acréscimo da despesa, daí que se tenha verificado uma deterioração do défice no período em análise. São estes os factos, é este o balanço de uma política que dura há quatro anos.  
(*) Emanuel Augusto dos Santos, economista

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