quarta-feira, 10 de junho de 2015

O PECADO DA OMISSÃO


O texto seguinte (*), claramente inserido no contexto de campanha eleitoral em que já vivemos aborda o “pecado da omissão” em duas vertentes: 1) A dos “actores políticos” que procuram muitas vezes omitir parte das suas intenções programáticas quanto ao que pretendem levar a cabo caso sejam eleitos, receando com isso perder votos e 2) A dos eleitores que, “abstendo-se de participar na vida cívica e nos atos eleitorais” acabam por se penalizar a si próprios, permitindo que personalidades sem o mínimo de qualidade vão ocupar cargos de governação.
Estamos perante um texto muito interessante e de fácil leitura.
No tempo de tanta fala apetece acompanhar Talleyrand na afirmação de que “A palavra foi dada ao homem para disfarçar o próprio pensamento”. Com efeito ouvem-se permanentemente coisas extraordinárias a respeito de tudo, particularmente no contexto das disputas partidárias que antecedem as eleições, que não se pode deixar de desconfiar de que muito do que se diz se pretende disfarçar o que se pensa.
Mas, mais interessante ainda é, neste momento de intenso falatório, estar atento ao que não se diz, porque é aí que se escreve parte da história do futuro. Na verdade os atores políticos revelam muito do seu mérito na habilidade com que omitem as suas intenções deixando nos seus programas eleitorais buracos programáticos dignos de um verdadeiro queijo suíço, camuflados, normalmente, por longas e gongóricas divagações político/filosóficas.
Diga-se, contudo, que por vezes há surpresas como aquela com que o primeiro-ministro recentemente nos brindou, quando afirmou que no programa eleitoral que irá subscrever não constará qualquer proposta relativa à segurança social. Ora, esta omissão deliberada e declarada, numa das matérias mais importantes num programa de governo para o próximo mandato, por parte de uma aliança partidária que é governo e que pretende continuar a sê-lo, não pode deixar de ter uma leitura condenatória dado que ninguém acredita que não haja por ali ideias sobre a matéria.
O que esta decisão obviamente revela é o medo de um elevado custo eleitoral por parte de alguém que um dia se vestiu de estadista e que garantiu em voz alta que se estava marimbando para eleições. A pouco e pouco e agora decididamente, o estadista acidental eclipsou-se.
Mas a omissão não se circunscreve a um único pecador. É, como sempre foi, uma parte significativa do jogo político em que também os eleitores entram cada vez mais, abstendo-se de participar na vida cívica e nos atos eleitorais, com a agravante de que acabam por ser eles os mais penalizados. Aliás, para alguns políticos a omissão dos eleitores é a sua sorte grande porque só por essa razão acabam por existir.
Sendo a omissão um pecado, em termos religiosos, é também um ato profundamente censurável em termos políticos que dá origem, regra geral, a muito do penar quotidiano com que nos confrontamos.
Dizia o Padre António Vieira da Companhia de Jesus e pregador de S. Majestade, num dos seus sermões que a: “Omissão é um pecado que se faz não fazendo”.
Ora assim sendo será melhor não pecarmos fazendo qualquer coisa, nomeadamente penalizando os omissos que tantas vezes nos estragam os sonhos e nos envenenam a esperança.
(*) João Silva, Diário de Coimbra

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