Superpotência
devastadora é a expressão muito apropriada que o autor do texto seguinte usa
para designar o poder actual do capital financeiro, que se está a tornar
incontrolável. Esse poder discricionário já se dá ao luxo de usar dois pesos e
duas medidas – violentado mesmo os seus próprios estatutos – conforme lida com defensores
do neoliberalismo mais selvagem ou com opositores a esse sistema. Em última
instância, é a democracia que está em grande perigo.
O
texto seguinte (*), que transcrevemos do Diário de Coimbra de hoje, é uma boa
chamada de atenção para o mundo atribulado em que vivemos, fruto da acção destruidora
da “hidra bancária”.
O
projeto europeu, passado a sua fase inicial de colmatar as feridas da guerra e
de permitir a reintegração alemã, retomou progressivamente a velha ideia de que
a sociedade tem de estar ao serviço da economia e não o inverso, fazendo
aprovar, pelos estados membros, instrumentos balizadores absurdos, de que é
exemplo o Tratado de Lisboa.
Tais
práticas substituíram deliberadamente os riscos inerentes à mundialização
financeira e a perda de soberania da maioria dos países que o integram, criando
parâmetros de desigualdade entre eles agravados no seio das sociedades das nações
ditas periféricas. Ora as desigualdades sempre estiveram no cerne da questão
social mas, face a esta evidência, o poder optou pela subjugação ao “capitalismo
total”, expressão que alguns traduzem por “globalização andrógina”.
Mas, o momento
da verdade aproxima-se,
garante o professor de economia da universidade de Toulouse François Morin (L’Hidre
Mondiale, Lux, 2015). Fingimos acreditar – sublinha – que a solução da crise
atual, em particular a do endividamento público, passa por políticas de
défices, o que vai originar um novo cataclismo financeiro, quando a verdadeira
questão está no combate à superpotência devastadora da hidra bancária.
O
economista vai ainda mais longe ao identificar os 28 bancos mais poderosos,
elegendo onze como estratégicos: quatro americanos, três britânicos, dois suíços
e dois da zona euro (BNP-Parisbas/Deutsche Bank), avançando verbas da ordem dos
$50 biliões e reclamando a coragem da lucidez e da verdade dos responsáveis
políticos, solução que me parece pecar por excesso de otimismo.
Entretanto,
assistimos a uma duplicidade do Fundo Monetário Internacional (FMI) ora
criticando os europeus pelos contornos fiscais do défice (3%) e da dívida
pública (60%) ou na postura implacável em receber €1,6 milhões da dívida grega,
nos próximos quinze dias, assunto que deverá estar superado quando este texto
for editado, para deixarmos os gregos em paz.
Essa duplicidade – recordo aqui as múltiplas intervenções do FMI, nas décadas de
setenta e oitenta, em países da América Latina ou africanos, após a constituição
de ditaduras militares – violentam mesmo os seus estatutos, que apresentam como
objetivos primordiais da política económica (art.º 1, alínea b): facilitar a expansão,
o crescimento equilibrado do comércio internacional e contribuir, assim, para o
fomento e manutenção de elevados níveis de emprego e de rendimento real (…).
Se
nada temos a esperar do FMI e congéneres, resta-nos a inteligibilidade do
momento presente, na procura de soluções alternativas, de maneira a evitar que
a democracia se transforme numa aristocracia eletiva e a democracia
participativa num conto de fadas, num Estado e as suas instituições ocupadas
por bandos organizados.
Reconheçamos
que o caminho a seguir se vai estreitando e os obstáculos têm a particularidade
de se multiplicarem e, tantas vezes, sem sabermos o porquê.
É
o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de
economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, transformada
nesse valor venal é introduzida no mercado.
Este
último parágrafo foi escrito em 1847, num livro com o título “Miséria da Filosofia”.
O autor é bem conhecido [Karl Marx].
(*)
João Marques, Diplomado em Ciências da Comunicação
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