quinta-feira, 4 de junho de 2015

SUPERPOTÊNCIA DEVASTADORA


Superpotência devastadora é a expressão muito apropriada que o autor do texto seguinte usa para designar o poder actual do capital financeiro, que se está a tornar incontrolável. Esse poder discricionário já se dá ao luxo de usar dois pesos e duas medidas – violentado mesmo os seus próprios estatutos – conforme lida com defensores do neoliberalismo mais selvagem ou com opositores a esse sistema. Em última instância, é a democracia que está em grande perigo.
O texto seguinte (*), que transcrevemos do Diário de Coimbra de hoje, é uma boa chamada de atenção para o mundo atribulado em que vivemos, fruto da acção destruidora da “hidra bancária”.
O projeto europeu, passado a sua fase inicial de colmatar as feridas da guerra e de permitir a reintegração alemã, retomou progressivamente a velha ideia de que a sociedade tem de estar ao serviço da economia e não o inverso, fazendo aprovar, pelos estados membros, instrumentos balizadores absurdos, de que é exemplo o Tratado de Lisboa.
Tais práticas substituíram deliberadamente os riscos inerentes à mundialização financeira e a perda de soberania da maioria dos países que o integram, criando parâmetros de desigualdade entre eles agravados no seio das sociedades das nações ditas periféricas. Ora as desigualdades sempre estiveram no cerne da questão social mas, face a esta evidência, o poder optou pela subjugação ao “capitalismo total”, expressão que alguns traduzem por “globalização andrógina”.
Mas, o momento da verdade aproxima-se, garante o professor de economia da universidade de Toulouse François Morin (L’Hidre Mondiale, Lux, 2015). Fingimos acreditar – sublinha – que a solução da crise atual, em particular a do endividamento público, passa por políticas de défices, o que vai originar um novo cataclismo financeiro, quando a verdadeira questão está no combate à superpotência devastadora da hidra bancária.
O economista vai ainda mais longe ao identificar os 28 bancos mais poderosos, elegendo onze como estratégicos: quatro americanos, três britânicos, dois suíços e dois da zona euro (BNP-Parisbas/Deutsche Bank), avançando verbas da ordem dos $50 biliões e reclamando a coragem da lucidez e da verdade dos responsáveis políticos, solução que me parece pecar por excesso de otimismo.
Entretanto, assistimos a uma duplicidade do Fundo Monetário Internacional (FMI) ora criticando os europeus pelos contornos fiscais do défice (3%) e da dívida pública (60%) ou na postura implacável em receber €1,6 milhões da dívida grega, nos próximos quinze dias, assunto que deverá estar superado quando este texto for editado, para deixarmos os gregos em paz.   
Essa duplicidade – recordo aqui as múltiplas intervenções do FMI, nas décadas de setenta e oitenta, em países da América Latina ou africanos, após a constituição de ditaduras militares – violentam mesmo os seus estatutos, que apresentam como objetivos primordiais da política económica (art.º 1, alínea b): facilitar a expansão, o crescimento equilibrado do comércio internacional e contribuir, assim, para o fomento e manutenção de elevados níveis de emprego e de rendimento real (…).
Se nada temos a esperar do FMI e congéneres, resta-nos a inteligibilidade do momento presente, na procura de soluções alternativas, de maneira a evitar que a democracia se transforme numa aristocracia eletiva e a democracia participativa num conto de fadas, num Estado e as suas instituições ocupadas por bandos organizados.
Reconheçamos que o caminho a seguir se vai estreitando e os obstáculos têm a particularidade de se multiplicarem e, tantas vezes, sem sabermos o porquê.
É o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, transformada nesse valor venal é introduzida no mercado.
Este último parágrafo foi escrito em 1847, num livro com o título “Miséria da Filosofia”. O autor é bem conhecido [Karl Marx].
(*) João Marques, Diplomado em Ciências da Comunicação

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