O
aparente excesso de ingenuidade pode significar irresponsabilidade, ignorância,
estupidez, má-fé ou uma mescla de tudo isto. É o que se está a verificar com o
Primeiro-Ministro e a sua professora de economia relativamente ao que aconteceria
na Europa no caso de um eventual incumprimento da Grécia.
Na
realidade tudo pode acontecer, como receiam altos responsáveis europeus e
comentadores conhecedores da realidade económica internacional mas Passos Coelho
e a Ministra das Finanças, talvez dotados de um conhecimento acima de qualquer
mortal, têm uma ideia muito precisa do que aí vem, quando afirmam que Portugal está
preparado para todas as eventualidades… Mesmo em época de campanha eleitoral há
afirmações irresponsáveis e demagógicas que não se justificam. Como muito bem
diria Marques Mendes, Passos Coelho e Maria Luís são uns pândegos.
O
texto seguinte que transcrevemos do Público de hoje (*), faz uma análise
correcta daquilo que envolve toda a trama política relacionada com a actual
situação grega.
O
presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, considera que é
impossível prever as consequências a médio e a longo prazo de um eventual
incumprimento por parte da Grécia — que teria de levar inevitavelmente à sua
saída do euro. E todos os comentadores são de um extremo cuidado ao tentar
prever as consequências de uma saída da Grécia da zona euro. Depois de listar
as eventuais vantagens para a Grécia ou para os países que ficassem no euro e
as eventuais desvantagens para ambos, acabam por concluir que nada é certo já
que, se essa hipótese se tornasse realidade, se entraria em águas nunca dantes
navegadas.
A
realidade é que tudo pode acontecer, desde um efeito dominó que destruiria o
euro primeiro, desencadearia uma imensa crise de confiança na Europa e
desagregaria a União Europeia depois, até uma estabilização relativamente
rápida da UE-sem-Grécia sem desastres de maior. A verdade é que não se sabe
porque nunca nada semelhante aconteceu, porque ninguém consegue prever o que
farão os diferentes actores políticos e económicos caso a famosa Grexit se
concretize e porque é provável que alguns desses actores não reajam da forma
mais racional — tal
como, neste preciso momento, a União Europeia não está a reagir de forma
racional.
Todos
os comentadores e todos os especialistas são prudentes, mas não o nosso
primeiro-ministro que garante que uma eventual saída da Grécia não causará
mossa a Portugal. A Espanha e a França estão preocupadas? Draghi e Merkel estão
preocupados? Obama está preocupado? Pedro Passos Coelho não. Há algo que Passos
Coelho ou a sua professora de Economia, Maria Luís Albuquerque, saibam ou
estejam a ver que mais ninguém sabe ou vê? Não. Terão eles uma ideia mais
precisa do que os muitos peritos que estudam isto todos os dias ou que os
analistas que escrevem e reflectem sobre isto? Não. É apenas mais um exemplo do
wishful thinking
e da manipulação da realidade que tem dado as famosas previsões de recuperação
económica e que hoje fazem um retrato radioso de Portugal, apesar da pobreza,
do desemprego, da dívida crescente e da emigração. Eles acham que Portugal vai
ficar bem ainda que a Grécia saia do euro. Ou melhor: secretamente, e apesar
das suas profissões de fé, rezam para que a Grécia saia do euro, para que uma
catástrofe inominável se abata sobre a Grécia e para que o país se enterre na
fome e na miséria durante décadas, pária entre as nações, e que isso sirva de
lição aos que contestam a austeridade, aos que contestam o seu governo, a todos
os que se atrevem a votar à esquerda e a criticar a troika que
eles amam acima de todas as coisas. O mundo receia que a UE caia, mas Passos
Coelho diz que Portugal não cairá. Seria cómico se não fosse tão estúpido.
Os
analistas acham que é possível que a Grécia, se sair de facto do euro, consiga
usar em seu benefício o facto de voltar a usar um dracma muito desvalorizado,
apostando em força nas exportações e no turismo. Outros acham pouco provável
que a sua fragilizada economia pudesse aproveitar devidamente essa vantagem,
nomeadamente no sector exportador. Uns estão convictos de que uma Grécia fora
do euro, depois de um ou dois anos que todos são unânimes em prever como
duríssimos, poderia começar a experimentar crescimentos da ordem dos 5% a 10%,
levando outros países (como a Itália, a Bélgica e mesmo a França) a pensar se,
afinal, não seria melhor saltar fora do euro, dando origem ao efeito dominó e
ao fim do euro. Outros acham que a saída do euro e o fim da pressão dos
parceiros da UE e dos credores da troika
fará com
que a Grécia abandone toda a disciplina orçamental e regresse a maus hábitos
orçamentais e ao desgoverno total, caindo no caos.
Mas,
como o prémio Nobel de Economia Paul Krugman escreveu, “o maior risco para o
euro não é em caso de fracasso da Grécia mas em caso de êxito da Grécia.
Imaginem que um novo dracma muito desvalorizado traga uma enchente de bebedores
de cerveja britânicos para o mar Jónico e que a Grécia comece a recuperar. Isso
iria encorajar grandemente aqueles que contestam a austeridade e a
desvalorização interna noutros países”.
E
é isto (que está longe de ser apenas a opinião de Krugman) que Passos Coelho
não pode sequer sugerir. O conto moral da austeridade exige que os
contestatários sejam castigados. Se ficarem no euro e se saírem do euro. Para
que aprendam que as veleidades democráticas de eleger governos que não querem
ser súbditos da Alemanha se pagam caras.
Esta
displicência de Passos Coelho em relação à saída da Grécia é mais um sinal da
falta de patriotismo demonstrada pelo Governo PSD-CDS já que, em caso de
Grexit, todos sabem que a posição de Portugal ficaria particularmente
fragilizada. Mas o PM não está preocupado com Portugal. Antes de mais, a Grécia
deve ser castigada. Passos Coelho deitaria fogo à Grécia já se lho ordenassem.
É esta a sua ideia de solidariedade europeia. Curiosamente, Krugman considera
que é tão importante para a Alemanha que a Grécia fracasse se sair do euro que
o economista põe mesmo a hipótese de um boicote alemão à economia grega. Passos
Coelho gostaria imenso de ajudar, mas pode ser que as eleições o defenestrem
antes.
(*) José
Vitor Malheiros
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