O
Direito Humano à Água e ao Saneamento foi reconhecido pelas Nações Unidas em
2010 e muitas vozes vêm manifestando o seu receio de que o século XXI seja
marcado por guerras pelo controlo do precioso líquido.
A
existência de um direito não tem qualquer significado se não passar a ser
implementado na prática. No que diz respeito à água, é inadmissível que a nível
da União Europeia ainda não se tenha ainda tomado qualquer iniciativa nesse
sentido, o que pode levar á suspeição de que muitos interesses estão por de
trás dessa ausência de vontade política. Não tenhamos qualquer dúvida de que o
negócio da água é altamente apetecível e os exemplos sobram entre nós. Por isso, foi muito bem-vinda a Iniciativa de
Cidadania Europeia pelo Direito humano à Água e Saneamento que recolheu quase 2
milhões de assinaturas por toda a União Europeia e que hoje vai ser votada no
Parlamento Europeu.
De
um texto sobre esta problemática apresentado no Público de hoje recolhemos os
seguintes excertos.
Vai
ser votada hoje no Parlamento Europeu a Iniciativa de Cidadania Europeia pelo
Direito Humano à Água e ao Saneamento. A Iniciativa que recolheu 1,884,790
assinaturas por toda a União Europeia, ultrapassando largamente o requisito de
1 milhão se assinaturas necessário para aceitar uma Iniciativa de Cidadania
Europeia.
A
Iniciativa requer que o Direito Humano à Água e ao Saneamento reconhecido no
âmbito das Nações Unidas em 2010 seja legalmente implementado no espaço da
União. O objectivo é que a UE aprove legislação que exija aos Estados-membros
que assegurem e proporcionem o serviço de abastecimento de água potável
suficiente e limpa e o serviço de saneamento básica a todos os seus cidadãos e
cidadãs. Esta Iniciativa requer ainda que esta obrigação seja realizada,
mantendo os recursos hídricos e os serviços de abastecimento de água e de
saneamento excluídos das regras de mercado e do processo de liberalização.
(…)
A
água é um bem vital e insubstituível e por mais que seja um bem escasso e tenha
custos a sua captação, tratamento e abastecimento, nenhum ser humano deveria
ver o seu acesso à água recusado, seja por que motivo for. Pelo menos é o que
se esperaria num país democrático liberal, defensor, promotor e guardião dos
mais altos valores da dignidade humana, como Portugal afirma ser.
O
estado português tem a obrigação legal e moral de defender, promover e garantir
o direito humano à água e ao saneamento. Revela-se assim de extrema
importância, nesta fase de contracção e suspensão de diferentes direitos
económicos e sociais devido às políticas de austeridade, que o direito humano à
água e ao saneamento seja reconhecido pela UE, criando uma obrigação acrescida
a Portugal e aos restantes estados-membros.
O
silêncio dos governantes portugueses sobre esta temática preocupa-me e
inquieta-me. O facto de existirem tarifas sociais em nada altera a realidade
portuguesa. Muitos agregados familiares não se qualificam para usufruir das
tarifas sociais e, no entanto, devido ao impacto da crise actual, não conseguem
fazer face às suas despesas base de sobrevivência, incluindo do serviço da água
e saneamento básico. O Direito Humano à Água e ao Saneamento não é uma questão
apenas de países em desenvolvimento. A sua discussão é evitada em muitos países
desenvolvidos, incluindo Portugal, porque se considera que a rede física
claramente garante esse direito. O que poucos e poucas estão disponíveis para
discutir é o facto de actualmente ser muito difícil para muitos (demasiados)
agregados familiares manterem-se ligados a essa mesma rede de abastecimento.
Este silêncio indicia uma falta de vontade política de encarar a realidade
actual das famílias portuguesas.
(*)
Paula Duarte Lopes, professora da Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Sociais
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