A
Europa habituou-se a olhar para a França, com respeito, porque, ao longo de séculos,
de lá vieram bons exemplos de avanços sociais e práticas que espalharam uma
melhoria significativa das condições de vida das populações. Infelizmente, não é
isso que agora esperamos a partir do resultado das recentes eleições
presidenciais, com a vitória de Macron.
Como
muito bem afirma Domingos Lopes no seguinte artigo de opinião que transcrevemos
do Público de hoje, um mal menor não deixa de ser um mal e é bom não
esquecermos que muita gente votou Macron para evitar o acesso à presidência da
república francesa da candidata de extrema-direita, uma assumida fascista.
Todos
se lembram das expectativas criadas por toda a Europa com o programa
apresentado por Hollande e ninguém esquece a desilusão em que se transformou. Pois
bem, o programa com que Macron foi eleito, a menos que ele não o cumpra, as
diferenças que poderá ter em relação a Hollande serão sempre para pior e irão contribuir
de forma decisiva para o sentimento de mal-estar entre as populações, com o consequente
crescimento da influência das forças de extrema-direita.
Ainda
que longo, o texto de Domingos Lopes merece uma leitura atenta, pela forma como
aborda um tema de premente importância para toda a Europa.
Pode a política que engendrou a
enfermidade de que padece a União Europeia e os países do euro ser a salvadora
da crise? A ter em conta as notícias acerca da vitória eleitoral de Macron
parece que sim, embora, por amor à verdade, também há as que dão conta das
dificuldades de, mantendo estes medicamentos, curar a doença.
Macron é um político ligado à política
desastrosa de François Hollande, tendo sido seu principal conselheiro económico
e ministro da Economia. Foi participante instigador desse desnorte. Vai
continuar, a partir do Palácio do Eliseu, a impulsioná-la.
Foi essa política que levou a Frente
Nacional de Marine Le Pen a chegar perto dos 40% dos votos, o que era
inimaginável há uma dezena de anos. Foi ainda essa política cega de combate aos
direitos sociais que levou ao estilhaço dos partidos do chamado arco do governo
envoltos em escândalos que fazem as populações fugirem e desconfiarem até ao
tutano de semelhantes elites.
Aliás, a desconfiança campeia por toda a
Europa. Há cerca de um ano foi o referendo no Reino Unido. Há meses ficou suspensa
a aguardar os resultados das eleições na Holanda. Agora foi em França, que de
novo ficará em stress com as eleições legislativas. O PS e a direita
(Republicanos e a União dos Democratas Independentes) lambem as feridas dos
duros golpes sofridos. Os que chegaram ao PS por arrivismo político já fogem,
como é o caso de Manuel Valls, seguindo o especialista em sprintes Macron. Lá
para o outono terão lugar as eleições na Alemanha, onde a direita e o SPD
governam de braço dado impondo a toda a União esta política que gera a
desconfiança em cada país.
É evidente que entre Macron e Le Pen o
mal menor é o banqueiro, mas nem por isso deixa de ser um mal. E um mal é
sempre um mal, não é um bem, e do que nós todos precisamos é do bem e não do
mal. Macron é um símbolo perfeito do establishment francês e europeu. O
programa eleitoral do movimento de Macron para conseguir uma maioria que o
apoie na presidência tem de ser encarado com toda a desconfiança. Ninguém de
boa-fé pode esquecer a enorme simpatia que o programa de Hollande gerou em
França e em toda a Europa. Foi o que se viu.
Macron precisa de uma maioria e de se
apoderar dos destroços dos partidos do poder de onde ele saiu quando vislumbrou
a possibilidade de desdizer o que fez por Hollande e o PS. Se conseguir uma
maioria parlamentar, terá todo o poder e fará o que lhe vai na alma — esmifrar
o Estado social e intensificar a precariedade nos locais de trabalho. A França
de Macron é a de Hollande. Saiu porque quis aproveitar a situação que ajudou a
criar. É esta duplicidade que faz recrudescer o populismo e desacreditar as
instituições democráticas minadas por dentro pelos que as colocam ao serviço
dos mercados financeiros. O problema que vai criar é o de cansar ainda mais os
cidadãos que, de novo, se vão sentir ludibriados e assim afundar a separação
entre os governantes e os governados, olhando estes para os de cima com total
desconfiança.
Os países da União Europeia, salvo a
Alemanha, vivem uma crise que resulta da tomada das decisões políticas em cada
país por parte de entidades e instituições financeiras sem rosto e que existem
para retirar a cada nação a riqueza criada e assim poderem continuar a medrar.
A financeirização da vida económica levou a que os países ficassem reféns de um
conjunto de instituições ao serviço dessas entidades e que uma vez na União e
no euro não mais possam erguer a sua voz, sob pena de, se o fizerem, serem
encostados ao paredão do default e impedidos de decidirem o seu futuro.
Esta União não é uma União, é uma
camisa-de-forças que amarra os países (hoje uns, amanhã outros) ao pelourinho
da austeridade com o sentido de empobrecer cidadãos, desmantelando o setor
público, embaratecendo os salários e tornando os vencimentos dessa corte ao
serviço da financeirização escandalosos. Pode ser uma União se um dos Estados,
a Alemanha, se financia no mercado e, em vez de pagar juros, recebe por se
financiar enquanto outos pagam juros elevados?
Esta deriva neoliberal levou a que o
dinheiro não desça à terra e crie riqueza, sendo aplicado na especulação como
se de repente os países passassem a ser casinos onde os especuladores vão
destruindo o seu tecido económico para se engordarem. Os investidores vão para
qualquer canto do mundo onde paguem o menos possível e recebam o máximo de
lucro, sacrificando o futuro de cada país.
É esta a verdadeira crise da União
Europeia — o seu modelo político social. Ou continuar a estrangular os países
impedindo-os de crescer e obrigando-os a empobrecer as populações, pagando a
crise do sistema financeiro para que este se reerga e volte a poder competir
com novos atores no terreno; ou mudar de agulha e apontá-la para um
desenvolvimento económico e social baseado no respeito pela democracia
política, económica, social e ecológica.
Os que levaram a União Europeia para o
descalabro em que se encontra não podem retirá-la da crise, tanto mais quanto a
receita proveniente da França, da Holanda e de outros quadrantes próximos de
Merkel e Schäuble não mostram qualquer ensejo de mudar, antes reclamam manter a
mesma direção com novos agravamentos, como é o caso da reforma laboral de
Macron.
Vale a pena fazer esta pergunta: Quantas
reformas laborais se fizeram? Quantas são ainda precisas? Será sempre exigida
uma nova reforma até que acabem os tribunais de trabalho por inutilidade face à
ausência de Direito do Trabalho.
Fica-se com a sensação que o modelo
escondido destes reformadores é entregar as relações laborais ao patronato
fazendo este o que quiser, na esteira de Donald Trump que, ao mesmo tempo, em
matéria de impostos sobre os lucros, quer decretar uma baixa histórica. É
também esta política cansativa, desligada do coração e das aspirações das
populações, que faz germinar o populismo e a demagogia em relação aos migrantes
e refugiados. É ela que gera desespero para quem foi habituado a uma vida
minimamente digna ceifada por esta loucura de querer fazer os ricos mais ricos
e alargar o número de pobres, fazendo os pobres mais pobres.
A Alemanha imperial, como a águia, olha
do cimo da União Europeia para o resto das nações e fala consigo própria acerca
do seu bem-estar. Impõe aos outros a austeridade por via de uma coligação que
se assemelha a uma espécie de União Nacional em liberdade, apagando as suas
diferenças em nome dos seus excedentes e da sua posição privilegiada.
Só que isto não é uma União, isto é um
torniquete do mais forte contra os mais fracos. Por isso não irão os Macrons de
todas as latitudes resolver o problema que criaram e escondem. Só um corajoso
impulso que leve os social-democratas a rejeitar esta política, os comunistas e
outras formações de esquerda a manterem as suas identidades renovadas e todos a
forjarem uma convergência corajosa que possa transmitir às populações e aos
povos a existência de uma alternativa para uma vida melhor, pois os políticos
do establishment prometem uma vida pior para a imensa maioria e uma vida
de luxo insuportável para uma ínfima minoria.
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