Ainda
que com atraso de um dia, não poderíamos omitir aqui o excelente texto da
responsabilidade de Francisco Louçã que transcrevemos do Público de ontem.
Todo
o mundo conhece as manobras de diversão, leia-se guerras, que frequentemente
são utilizadas por presidentes dos Estados Unidos da América para desviar as
atenções de sérios problemas internos ou pessoais. Uma das situações mais
conhecidas e recentes teve a ver com o caso Mónica Lewinsky que quase levou à
destituição do presidente Bill Clinton. Pois bem, todos recordam que Clinton mandou
bombardear a Líbia como manobra de diversão em relação ao escândalo em que se
viu envolvido.
Como
muito bel afirma Louçã neste texto, “em qualquer cenário, o militar é um
produto vendável e uma boa guerra é sempre uma anestesia”. Mostrar músculo
funciona sempre e esta é a receita aplicada tanto por Trump como por Merkel e
Macron sendo ainda mais apetecível por estes já que se encontram à beira de
eleições…
Se
isto e aquilo, a França entra à bomba, avisou Macron diante de Putin. Estamos
por nossa conta e cá nos arranjamos, explicou Merkel depois da reunião da Nato
com Trump (a imagem mostra-a com um canecão de cerveja, mas era campanha
eleitoral). As duas fanfarronadas foram muito bem recebidas, temos líderes,
conclui aquela opinião que vive ansiosa por sinais de autoridade.
Talvez
devêssemos parar para pensar um minuto sobre estes sinais.
Foi
assim que Trump ganhou as eleições, não foi? Conclusão, isto funciona mesmo. As
promessas podem variar (um muro contra os mexicanos, bombardear o Irão ou
erradicar a Coreia do Norte), mas resultam sempre. No caso dos Estados Unidos,
nem é a primeira vez que colocar galões no ombro de um presidente lhe resolve
uma crise, foi assim com o triste George Bush, mas foi também assim que Clinton
tentou desviar as atenções do seu processo de impeachment, bombardeando a Líbia.
Em
qualquer cenário, o militar é um produto vendável e uma boa guerra é sempre uma
anestesia. Por isso, hoje tudo na mesma, só que em muito maior: com Trump, temos
na Casa Branca mais militares
(“Mad Dog” Mattis, Kelly e McMaster) e mais dirigentes de empresas do complexo
militar (Lockheed, Rayheon, Honeywell, Boeing, Halliburton, Chertoff). Com
Trump, o orçamento militar cresce mais 50 mil milhões de dólares, ou o mesmo
que a totalidade do gasto militar da França. Com Trump, decuplicaram as vendas
de armas nos primeiros cem dias: de 700 milhões com Obama passou-se para 6 mil
milhões com o novo presidente. Com Trump, está em curso a maior operação de
rearmamento da história, o contrato com a Arábia Saudita.
A
equação é evidente: quanto pior for a situação interna nos Estados Unidos ou
quanto mais fragilizada estiver a presidência Trump, maior é o risco de
operações militares fora de portas. Até agora, e passou pouco tempo, Trump já
multiplicou os bombardeamentos com drones, lançou uma “mãe de todas as bombas”
no Afeganistão e uma mão cheia de Tomahwaks na Síria, tudo para impressionar,
hesitando agora sobre o que atacar, se a Coreia do Norte se o Irão. Mas a
equação não se engana: se houver crise interna, teremos guerra externa.
Claro
que já ouço as vozes avisadas: isso é nos Estados Unidos, país de cobóis, na
Europa é diferente. Sim, é diferente. Mas diferente em quê? Já ninguém se
lembra, Hollande também andou a fazer o tour de África pelos
aquartelamentos franceses e pela história das suas batalhas coloniais. Que vale
então a proclamação de Macron? Vale exactamente um trumpismo: ele tem eleições
dentro de duas semanas. O que vale a de Merkel? Idem, as eleições são no
outono.
A
militarização da Europa, facilitada pelo Daesh e pelas carnificinas como a de
Manchester, é portanto uma estratégia política e eleitoral. Segue os passos de
Trump. Se ignorarmos a prosápia que apresenta a Europa como o centro da sageza
e os EUA como o faroeste, verifica-se que o contraste estratégico é nenhum. A
motivação é também a mesma: se não se resolvem os problemas da hegemonia
social, se os regimes vão tremendo por terem perdido os alicerces, a
militarização é a resposta mais simples e mais imediata. O militar é só a força
do político sem força. A guerra é só a política sem meios. A militarização da
Europa é por isso útil para Macron e Merkel e é necessária para a convergência
possível onde só se criou a divergência perigosa. Vamos portanto ter mais deste
trumpismo elegante e europeu, que ainda nos pedem que aplaudamos. Ver todos os
dirigentes europeus a abanarem a cabeça prometendo gastar mais em armas, como
se isso tivesse o mais pequeno efeito na protecção das populações contra
atentados terroristas, é assustador: apresentam-nos a medida mais incompetente
para não lutarem contra o problema, querem enganar-nos e lançar-nos na espiral
de uma nova corrida aos armamentos como se a militarização das nossas
sociedades fosse a resposta para o século XXI.
Ora, esta mistura de
ignorância e atrevimento é fraca quando parece musculada. Dizia Napoleão,
sabedor destas coisas, que as baionetas servem para tudo menos para nos
sentarmos em cima delas. É uma lição de poder. Talvez os nossos exuberantes
líderes europeus se devessem lembrar dessa lição.
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