A
corrupção é um dos maiores cancros que enferma a sociedade portuguesa. Toda a
gente sabe disto e para o comprovar aí estão na comunicação social muitos casos
de que são protagonistas personalidades que desempenharam altos cargos na administração
pública. Sem defendermos o julgamento de quem quer que seja na praça pública,
também não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditarmos que toda essa gente
está tão inocente como quando saiu da barriga da mãe…
Nas
últimas eleições presidenciais, houve mesmo um candidato que utilizou o combate
à corrupção como tema central da sua campanha, tendo obtido uma votação
modesta. De qualquer maneira, sem menosprezar a necessidade de um combate tenaz
à corrupção, é preciso termos em conta que se fosse possível reduzi-a a zero,
ainda assim, muito ficaria por fazer no que diz respeito à desigualdade da
distribuição da riqueza que grassa em Portugal. É que, a questão de fundo, está
no sistema que actualmente governa o mundo, o qual contém nos seus genes a promoção
e manutenção das desigualdades sociais.
É
sem esquecer os parâmetros acima referidos que deve ser feita a leitura do
artigo de opinião seguinte (*) que transcrevemos do Público de hoje. A corrupção
deve ser combatida por todos os meios legais mas, acima de tudo, o sistema que
a gera.
Os discursos políticos das comemorações
do 25 de Abril deste ano foram marcados por temas como a transparência, rapidez
e eficácia das instituições públicas, bem como pela necessidade de o país
crescer a um ritmo mais elevado e de reduzir as desigualdades no rendimento. A
necessidade de o país crescer é premente não só para garantir às gerações
vindouras um nível de vida melhor mas também para garantir uma maior
sustentabilidade à dívida pública, num cenário em que o Estado não reduz a sua
dimensão significativamente.
Entre 2005 e 2015, Portugal afastou-se
da média da União Europeia (UE) para 77% do PIB per capita médio da UE a
28, tendo o país crescido, em média, a uma taxa anémica de 0,06% ao ano.
Portugal é ainda um dos países mais desiguais da Europa, muito próximo de
países como a Grécia ou outros do leste europeu e muito afastado dos países do
norte da Europa, estes com índices de desigualdade de rendimento mais baixos.
Os três objectivos, de aumento do crescimento, de redução das desigualdades e de
combate à corrupção não são independentes!
A generalidade dos estudos que
relacionam corrupção com crescimento económico têm indicado um efeito negativo
significativo do primeiro no segundo fenómeno. Este efeito é ainda mais
acentuado nos países relativamente mais pobres. Por outro lado, estudos que
relacionaram corrupção com desigualdade no rendimento mostraram uma relação
positiva entre estes dois fenómenos. Estas relações acentuam um ciclo de
pobreza, fraco crescimento e desigualdade de rendimentos. Não é difícil
estabelecer a explicação para estas inter-relações.
A corrupção é mais difícil de enfrentar
pelos cidadãos mais pobres e afastados das elites, sendo que estas usam
frequentemente a corrupção para manterem os seus privilégios e arrecadarem mais
recursos. Sendo assim, um país mais corrupto e menos transparente tende a
manter altos níveis de desigualdade e menor crescimento. Corrupção e falta de
transparência corroem a confiança e o incentivo que os cidadãos e as empresas
têm que ter para acumularem conhecimento e inovação, os principais motores do
desenvolvimento no longo prazo. Por outro lado, países menos corruptos tendem a
crescer mais e a distribuir melhor o rendimento gerado. Neles, indivíduos e
empresas sabem que o esforço e o mérito compensam e há menos recursos desviados
para o tráfico de influências, compadrio e corrupção.
Desde 2012 que o índice de percepção de
corrupção em Portugal se tem mantido praticamente inalterado segundo a
organização internacional Transparency International, com um valor a rondar os
60 pontos, ainda assim muito longe de países como a Dinamarca e a Nova
Zelândia, com valores na ordem dos 90 pontos. O país tem, portanto, um longo
caminho a percorrer no combate à corrupção e na promoção da transparência e
isso pode ter uma influência positiva nos desígnios nacionais de aumentar o
crescimento económico e diminuir a desigualdade.
O Observatório de Economia e Gestão da
Fraude (Obegef) tem promovido em Portugal um trabalho notável na análise da
economia paralela no país, e tem mostrado o seu aumento em proporção do PIB. Além
disso, o Obegef tem desenvolvido estudos sobre a corrupção e fraude em diversas
áreas das instituições portuguesas. Além de uma análise de indicadores
macroeconómicos e do estudo da relação entre corrupção e indicadores essenciais
de bem-estar das populações, a análise da corrupção deve ir mais além. De
facto, devemos identificar as instituições onde a falta de transparência e a
corrupção são mais relevantes de forma a identificar eixos prioritários de
actuação.
A corrupção é um fenómeno marcadamente enraizado
nas sociedades e persistente no tempo. Parte dessa persistência é explicada
pelo facto de comportamentos de fraude durante a aprendizagem escolar e
académica estarem correlacionados com índices de corrupção, um resultado
evidenciado por um estudo de Aurora Teixeira, disponível no sítio do
Obegef na Internet. O controlo dos casos de fraude académica (desde o famoso
"copianço" ou uso de “cábulas” entre estudantes até ao plágio em
trabalhos académicos) tem, portanto, efeitos que vão além das simples
distorções de notas ou de investigação científica viciada ou plagiada. Terão
também efeito na formação das elites futuras e, portanto, na persistência do
fenómeno na sociedade do futuro!
Além do mais, é necessário ter em
atenção a pequena corrupção que enferma as instituições públicas e que pode
configurar, por exemplo, casos de tráfico de influência, favorecimentos e
nepotismo. Estes casos corroem a confiança dos cidadãos nas instituições e os
incentivos ao esforço e ao mérito e, tratando-se de pequena corrupção e muitas
vezes encapotada em artifícios administrativos, dificilmente chega à fase da
denúncia e aos tribunais. Estas situações não podem ser contrariadas com a
criminalização do enriquecimento ilícito, um assunto recorrente no discurso
político. De facto, dadas as suas características, a pequena corrupção só pode
ser enfrentada com melhor exigência de transparência e prestação de contas e
com um melhor processo legislativo que limite ao mínimo os artifícios
administrativos que os gestores públicos podem usar para contornar as
exigências de transparência.
(*) Tiago
Neves Sequeira, associado do Obejef
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