O
artigo de opinião seguinte, que transcrevemos do Público de hoje, é assinado
pela Secretária-Geral (*) da “Plataforma Portuguesa para os
Direitos das Mulheres”, uma “organização com Estatuto Consultivo Especial junto
do Conselho Económico e Social das Nações Unidas” que, segundo julgamos, ainda
é pouco conhecida entre nós.
Não estaremos a exagerar se
afirmarmos que este texto contém uma denúncia da banalização, senão mesmo
branqueamento, com que agências da ONU tratam da prostituição e exploração sexual
das mulheres. São temas de tal forma sensíveis para toda a humanidade que se
torna importantíssima a sua divulgação perante a opinião pública.
Crimes como a exploração sexual,
pela sua gravidade, têm de ser tratados com medidas muito fortes cuja implementação
deve ter na linha da frente a ONU.
As Organizações Não Governamentais (ONG)
que prestam assistência direta às vítimas de prostituição e exploração sexual,
que promovem e protegem os direitos das mulheres e meninas em todo o mundo, e
que lutam contra a discriminação contra as mulheres e raparigas indígenas,
migrantes, pobres, e de pertenças étnicas minoritárias, denunciam as violações
regulares, por parte de agências da ONU, da linguagem e políticas acordadas
pela ONU quando se trata da exploração sexual e da exploração da prostituição de
outrem.
Em vários relatórios a ONUSIDA e o PNUD
usaram sistematicamente, e recomendaram a utilização da expressão, “trabalho
sexual”. Também defenderam a despenalização da compra de um ato sexual. Estas
duas agências defenderam ainda apoiar recomendações para descriminalizar o
proxenetismo, aquisição e gestão de um bordel. As “diretrizes terminológicas”
da ONUSIDA 2015 recomendam
explicitamente deixar de utilizar o termo “prostituição”, que denotaria
“julgamento de valor”, e usar, em vez disso, “trabalho sexual”.
Recomendam, também, o uso do termo "clientes de profissionais do
sexo" para pessoas que compram um ato sexual.
Em várias ocasiões, em 2015, a ONU
Mulheres introduziu também uma nova terminologia de "exploração sexual
forçada", assim dando a entender que poderia existir uma exploração sexual
livre. Foi somente após a mobilização das ONG que a ONU Mulheres retirou esta
terminologia da sua infografia sobre a violência contra as mulheres.
Ao mesmo tempo que o número de vítimas
de exploração sexual continua a aumentar em todos os continentes, afetando
particularmente os grupos mais vulneráveis de mulheres e raparigas, é
lamentável a tendência de algumas agências da ONU para promoverem linguagem e
políticas contrárias às obrigações internacionais de eliminar a exploração
sexual e a exploração da prostituição das mulheres sob todas as formas. Além do
mais, ao mesmo tempo que relatórios recentes mostram que a exploração e os
abusos sexuais, incluindo os perpetrados pelas Forças da Paz e outro pessoal da
ONU, continuam a ser uma grande preocupação, há que condenar qualquer tendência
das Nações Unidas para minimizar a gravidade e os malefícios da exploração e
abusos sexuais, incluindo a compra de atos sexuais.
Há ainda que lembrar que as agências e
programas das Nações Unidas não estão autorizados a promover o uso do termo
"trabalho sexual" em vez do termo "prostituição", ou o uso
do termo "exploração sexual forçada" em vez do termo "exploração
sexual"; nem tão pouco recomendar a descriminalização do proxenetismo,
aquisição, gestão de um bordel e pagamento por sexo.
Efetivamente, a única linguagem acordada
pela Assembleia-Geral da ONU neste campo é "prostituição",
"exploração sexual" e "exploração da prostituição de
outrem" (Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Tráfico de
Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem, e artigo 6º da CEDAW). O uso
sistemático de um termo alternativo e a recomendação explícita de parar de usar
a linguagem acordada do principal órgão deliberativo, político e representativo
da ONU não é compatível com o mandato constituinte das agências e programas das
Nações Unidas.
A obrigação direta e vinculativa de todo
o Sistema das Nações Unidas, nos termos da Carta das Nações Unidas, de
respeitar e promover a "dignidade e valor da pessoa humana" é
incompatível com a banalização e promoção da prostituição, formalmente
qualificada pela Assembleia Geral das Nações Unidas como "incompatível
com a dignidade e o valor da pessoa humana".
No boletim do Secretário-Geral da ONU
que apresenta "Medidas especiais para proteção contra a exploração sexual
e abuso sexual", a definição de "abuso sexual" inclui
claramente a compra de um ato sexual. O documento declara explicitamente que
"é proibida a troca de dinheiro, emprego, bens ou serviços por sexo,
incluindo favores sexuais ou outras formas de comportamento humilhante,
degradante ou exploratório". Assim, é inaceitável que as agências e
programas das Nações Unidas recomendem a descriminalização da compra de um ato
sexual e utilizem a expressão "clientes de profissionais do sexo",
quando a política oficial da ONU para prevenir a exploração e o abuso sexual
define a mesma ação como "abuso", proibindo-o para todo o pessoal da
ONU.
A Plataforma Portuguesa para os Direitos
das Mulheres, enquanto organização com Estatuto Consultivo Especial junto do Conselho
Económico e Social das Nações Unidas, está determinada a lutar contra qualquer
forma de justificação, banalização e promoção da exploração sexual e exploração
da prostituição das outras pessoas. Conjuntamente com organizações do mundo
inteiro, manifestamos esta preocupação em termos nacionais e internacionais.
(*) Ana
Sofia Fernandes
Sem comentários:
Enviar um comentário