Os
ecos que constantemente nos chegam sobre o cerceamento da liberdade que
actualmente tem lugar na Turquia, não nos podem deixar indiferentes.
A
aproximação de regimes repressivos/ditaduras começa por se fazer sentir com a
perseguição à imprensa livre e aos jornalistas. Numa altura em que, até em
regimes democráticos, se sente uma pressão cada vez maior sobre a liberdade de
expressão de pensamento, o que actualmente acontece na Turquia deve ser
denunciado por todos os meios para que Erdogan pare com a perseguição aos
jornalistas livres e para evitar que outros aprendizes de ditador lhe sigam as pisadas.
Hoje,
dia mundial da liberdade de imprensa,
como muito bem afirma a Amnistia Internacional, “os nossos pensamentos estão com os jornalistas presos na Turquia”. Mas, dizemos nós, também devemos estar muito
atentos ao que se passa no resto do mundo porque nuvens muito negras estão a
acumular-se no horizonte, no que diz respeito a todas as formas de expressão da
liberdade.
Ainda
com a situação na Turquia como pano de fundo e a “tragédia” que lá está a
desenrolar-se, aqui fica um artigo de opinião de dois jornalistas (*) que
relatam no Público de hoje a sua própria experiência da repressão que se vive
naquele país.
Na prisão, um dos maiores desafios é
psicológico. Mesmo que as condições sejam bastante terríveis, se houver
nutrição básica, água potável e abrigo, consegue-se sobreviver fisicamente. São
os sentimentos de desespero e de isolamento que se podem tornar mentalmente
incapacitantes, até fatais.
Por isso, quando soubemos, muitos meses
após a nossa detenção, que tinha sido lançada uma campanha global para nos
libertar, tal fez toda a diferença.
Fomos detidos em 2013 no Egipto enquanto
trabalhávamos como jornalistas da Al-Jazira e acusados de uma série de crimes
politicamente motivados por causa do desempenho da nossa profissão. Naquelas
celas frias e sujas, sem ideia nenhuma do que o futuro nos reservava, não havia
muito que nos motivasse a permanecermos positivos – por isso foi tão importante
quando nos chegaram as primeiras informações de que a campanha #FreeAJStaff
estava a ter uma adesão mundial.
Além de nos recordar de que não
estávamos esquecidos, fez-nos compreender que fazemos parte de uma causa muito
maior do que nós. E ajudou a dar sentido àqueles longos dias e a animar-nos
quando nos sentíamos a bater no fundo. E, mais importante ainda, a campanha
contribuiu, por fim, para acabar com o nosso encarceramento.
Pessoas no mundo inteiro uniram-se, num
número extraordinário, e exigiram a nossa libertação, porque reconheceram a
injustiça daquilo por que estávamos a passar. Viram que fomos mandados para a
prisão com base em acusações forjadas, e ergueram-se para nos defender. E
funcionou.
Agora, precisamos urgentemente de
mobilizar essa energia de novo.
Está a desenrolar-se lentamente uma
tragédia na Turquia. O jornalismo independente é sistematicamente esmagado. As
portas das prisões estão a fechar-se sobre os jornalistas, os órgãos de
comunicação social a serem emparedados e um silêncio perturbante cai sobre o
que era uma paisagem de media vibrante e diversificada.
Desde a tentativa de golpe falhada de
Julho de 2016, o Presidente, Recep Tayyip Erdogan, lançou uma vaga de repressão
da liberdade de expressão tão intensa que o jornalismo independente vive os
estertores da morte. Pelo menos 156 órgãos de comunicação social foram fechados
e uns estimados 2500 jornalistas e outros profissionais dos media perderam o
emprego. Yonca Sik, cujo marido, o jornalista de investigação Ahmet Sik, está
detido desde Dezembro passado, alerta: “A detenção de Ahmet é uma mensagem para
os outros: falem se ousarem”.
É doloroso assistir a todas estas
medidas contra o jornalismo independente. Mas o que mais nos impressionou
pessoalmente são as histórias de mais de 120 profissionais da comunicação
social mandados para as prisões na esteira da tentativa de golpe e que
permanecem em detenção preventiva.
No estado de choque que se seguiu à
nossa detenção no Egipto, pensámos que se tratava de um erro horrível que seria
rapidamente corrigido. Nunca poderíamos imaginar que iriamos passar centenas de
dias na prisão a aguardar julgamento, em condições terríveis.
As prisões egípcias onde ficámos a
definhar estão sobrelotadas de pessoas que se tinham oposto ou ousado desafiar
o Governo. Sabemos muito bem o que é que se está a passar neste momento nas
prisões da Turquia, e como os jornalistas ali se estão a sentir.
Quando não estávamos enfiados em celas
com tantos outros homens que era impossível sentarmo-nos, encontrávamo-nos em
solitárias onde frequentemente temíamos enlouquecer. A solidão e o tédio são difíceis
de descrever.
Ainda que a situação com que são
confrontados os jornalistas presos na Turquia possa não ser igual àquela por
que passámos, compreendemos o desespero e a frustração que sentem. E o que
torna a situação na Turquia especialmente sinistra é o facto de o Governo turco
continuar a negar que os jornalistas estão a ser presos devido ao trabalho que
desempenham. As histórias e as identidades destas pessoas estão a ser apagadas.
É por isso que é tão crucial que nós, que estamos em liberdade, as defendamos.
A #FreeAJStaff começou como uma pequena
campanha no Twitter, mas em algumas semanas ganhou a dimensão de um movimento
global. Trouxe ao cimo o melhor das redes sociais: o sentido de urgência, a
criação de um ímpeto, a defesa corajosa de uma causa que, de outra forma, teria
sido esmagada. No final, mobilizara mais de três mil milhões de tomadas de
posição.
Nos momentos mais tenebrosos do nosso
encarceramento – quando nos sentimos aferrolhados a uma batalha sem esperança
com a máquina da injustiça, quando já nos esquecêramos como é um pôr-do-sol –,
houve ocasiões em que foi como se tivéssemos deixado de existir. Teria sido
fácil desvanecermos. O que nos encorajou a continuar foi saber que pensavam em
nós.
A compreensão plena do que aquela
campanha significou para nós, no nosso momento de necessidade, é a razão para
apoiarmos agora a #FreeTurkeyMedia. Queremos que todos os jornalistas que
agonizam atrás das grades na Turquia saibam que estamos com eles. Queremos que
saibam que os dias que ali estão a passar, apesar de deprimentes, apesar de
aterradores, não são em vão.
Estão na linha da frente da liberdade de
expressão – do direito a estar informado, e da importância que uma imprensa
livre desempenha no funcionamento da sociedade, não só na Turquia, mas no mundo
inteiro.
Às vezes é difícil dar valor a algo até
que nos é tirado. Mas lembrem-se: uma sociedade onde não existe o direito de
informar de forma livre é uma sociedade em risco. Sem jornalismo independente
não haverá debate público livre, nem responsabilização dos poderosos, nem
monitorização e investigação dos abusos de direitos humanos.
Prender jornalistas tem um efeito
aterrador para todos, fazendo todos terem medo de falar. A campanha
#FreeTurkeyMedia tem o objectivo de libertar jornalistas da prisão mas visa
também criar um futuro melhor para os direitos humanos na Turquia e enviar uma
mensagem clara a quem, pelo mundo inteiro, tenta silenciar a liberdade de
expressão.
Ao longo dos mais de 400 dias que
passámos atrás das grades no Egipto, fortaleceu-nos sabermos que pessoas por
todo o mundo estavam a fazer campanha pela nossa libertação. Se estava certo
defender-nos e exigir #FreeAJStaff, também é certo fazermo-nos todos ouvir em
defesa dos jornalistas que são presos apenas por fazerem o seu trabalho. É por
isso que nos juntámos à campanha #FreeTurkeyMedia.
(*) Peter
Gueste e Mohamed Fhamy
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