As comunidades afrodescendentes, não
tenhamos a mais pequena dúvida, continuam fortemente marginalizadas em Portugal
ou, melhor dizendo, esquecidas.
Num longo artigo de opinião que hoje
assina no Público, Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo disserta sobre esta
problemática, de forma muito assertiva. Do referido texto deixamos aqui o
seguinte excerto.
Em Dezembro de 2013, a Assembleia Geral
da ONU aprovou a Década Internacional de Afrodescendentes. Com início a 1 de
Janeiro de 2015 até 31 de Dezembro de 2024, sob o lema “Afrodescendentes:
reconhecimento, justiça e desenvolvimento”, lê-se na página da Década que “ao
declarar esta Década, a comunidade internacional reconhece que os povos
afrodescendentes representam um grupo distinto cujos direitos humanos precisam
ser promovidos e protegidos”, afirmando no plano de ação que “reconhecemos que,
em muitas partes do mundo, africanos e afrodescendentes enfrentam barreiras
como resultado de preconceitos e discriminações sociais predominantes em
instituições públicas e privadas, e expressamos o nosso compromisso em
trabalhar pela erradicação de todas as formas de racismo, discriminação racial,
xenofobia [...] enfrentadas pelos africanos e afrodescendentes”.
Em Portugal, as comunidades
afrodescendentes estão económica, social e politicamente marginalizadas. A sua
condição de subalternidade socioecónomica e política inscreve-se numa
continuidade histórica que remonta à época da Escravatura e do Colonialismo,
cujas consequências no acesso à igualdade continuam hoje bem marcadas nas suas
vidas. As comunidades afrodescendentes contribuíram e continuam a contribuir
para a construção do país, mas são das mais excluídas da sociedade. A
manutenção do direito de sangue (jus sanguinis) em detrimento do direito
de solo (jus solis) no acesso à nacionalidade portuguesa, o
encaminhamento tácito dos seus jovens para as vias profissionalizantes no
trajeto escolar, a sobre-representação na população prisional, a quase ausência
na academia e invisibilidade na disputa e no espaço políticos, a violência
simbólica e física através da violência policial, a estigmatização e guetização
espacial, a fragilidade económica e a maior prevalência da precariedade laboral
no seu seio são a consequência da sua relegação para uma segunda zona da
cidadania.
O défice de reconhecimento, de justiça e
de desenvolvimento está bem patente e explicito na violência da exclusão social
com que se confrontam. A Década dos Afrodescendentes é muito mais do que um
apelo ao reconhecimento dos problemas que enfrentam os afrodescendentes. É,
antes, uma injunção à ação política, com a implementação de medidas concretas
para responder aos problemas específicos com que se confrontam. Aliás, a ONU
salienta que “os Estados devem desenvolver ou elaborar planos nacionais de ação
para promover a diversidade, a igualdade, a justiça social, a igualdade de
oportunidades e de participação de todos”. Ora, isto só é possível com um
conhecimento apurado da realidade. Assim, a ONU defende claramente a recolha de
dados étnico-raciais em que a “informação deve ser coletada para monitorar a
situação dos afrodescendentes, avaliar o progresso realizado, aumentar sua
visibilidade e identificar lacunas sociais. Também deve ser utilizada para
avaliar e guiar a formulação de políticas e ações para prevenir, combater e
erradicar o racismo, a discriminação racial, a xenofobia”.
E tal como constava no plano de ação da
conferência mundial contra o racismo de Durban em 2001, por sua vez, o Comité
das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial, reunido entre
Novembro e de Dezembro de 2016, voltou a recomendar entre muitas outras medidas
a recolha de dados estatísticos étnico-raciais dos afrodescendentes.
Em Dezembro de 2016, precisamente no
âmbito da avaliação do relatório português no Comité das Nações Unidas para a
Eliminação da Discriminação Racial, numa carta aberta à ONU, ao Estado
português e às instituições nacionais e europeias, cerca de 22 associações
signatárias, que estiveram na origem da Plataforma Afrodescendentes Portugal,
criticaram duramente o Estado por não terem sido ouvidas e, sobretudo, por este
não reconhecer “a necessidade de políticas específicas” para as comunidades
afrodescendentes e pela inexistência de compromisso do Estado português para
com a Década Internacional de Afrodescendentes, cingindo-se a reafirmar “uma
abordagem holística” do combate ao racismo que também contemplaria os
afrodescendentes. Em resposta às críticas, o Estado português apressou-se a
dizer que as “orientações da ONU não eram vinculativas”, nomeadamente pela voz
do alto-comissário para as migrações e da secretária de Estado dos Negócios
Estrangeiros e da Cooperação.
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