São
agora as principais instituições que defendiam ainda há poucos anos “os méritos
da flexibilidade laboral e das reduções salariais, as legais e as reais”, os
que agora vêm, de uma forma envergonhada, dar a mão à palmatória reconhecendo
que estavam a laborar um tremendo erro. Para o cidadão comum, que foi vítima,
este reconhecimento vem tarde e a más horas, quando milhões de pessoas viram as
suas vidas tremendamente afectadas e sujeitas a sacrifícios inúteis numa altura
em que um número cada vez maior de responsáveis políticos e da área da economia
chamavam a atenção para os nefastos efeitos da aplicação das políticas
neoliberais.
Poucos
agora se referem a esta situação porque não querem reconhecer o erro e, por
isso, vale a pena divulgar opiniões como a seguinte (*) que transcrevemos do
Público de hoje.
Como neste
jornal se dava conta há poucos dias, parece que o FMI e a União
Europeia entraram num processo de dúvida em relação aos méritos apregoados da
flexibilidade laboral e das reduções salariais, as legais e as reais. Mais do
que dúvida, aliás, negação.
Recorde-se que quando o novibancário
Durão Barroso abandonou a Comissão Europeia, em 2014, a União Europeia tinha
mais 20% de desempregados do que quando assumiu funções em 2004. E que parte
muito significativa dos empregos criados desde então são ainda empregos em
part-time e mal pagos. Em especial para os mais jovens. Os números são bem
elucidativos: em Portugal, pensando nos jovens até 25 anos, 67% o que encontram
são contratos a prazo, pagos de acordo com as tabelas que conhecemos...
Não se diga que as políticas não
produzem resultados. Estes são também resultados directos daquela doutrina da
“flexibilização da legislação laboral” e da defesa dos salários baixos. A
“flexibilização” das regras laborais declinou-se em realidades muito palpáveis
entre nós: redução ao mínimo dos contratos colectivos, aumento das
possibilidades e dos prazos de contratação individual a prazo, redução dos
custos de despedimento, manutenção do recurso generalizado ao falso trabalho
independente sem qualquer fiscalização ou consequências.
Tudo isto embrulhado, aliás, num
discurso prometendo crescimento económico e emprego. E que, por um lado,
apelava a uma suposta valorização do mérito individual e, portanto, se mostrava
pronto a recompor a “justiça no trabalho”; e, por outro lado, não hesitava em
opor gerações, aviltando o suposto conforto laboral e pós-laboral dos mais
velhos perante aquela que seria a dura mas necessária realidade dos mais novos.
Naquele texto, aliás, encontra-se uma
afirmação muito elucidativa e de uma rara honestidade. António Bagão Félix, o
economista que assumiu o cargo de ministro do Trabalho no XV Governo, de Durão
Barroso (2002-2004), não hesitou agora em falar com grande clareza: “Não penso
o mesmo que pensava em 2003. A relação entre a desregulação dos mercados de
trabalho e o crescimento económico é um erro. Não existe tal relação”. O mesmo
que vêm dizer FMI e Comissão Europeia, rodando 180 graus nas suas afirmações
“técnicas” ao longo das últimas duas décadas. Numa União Europeia que continua,
aliás, a manter escrito no seu tratado constitutivo um objectivo de pleno
emprego ou o direito à protecção dos trabalhadores contra o despedimento sem
justa causa.
Seria bom que também entre nós outros
tirassem algumas conclusões e assumissem consequências daquele seguidismo
programático a que se assistiu novamente a partir de 2011, o tempo da “troika”,
nunca plasmado nos programas eleitorais. Neste contexto, a saída de cena de
Pedro Passos Coelho surge por razões de mera conjuntura político-partidária,
mas podia bem ter assomado com um toque de grandiosidade: se errei, fi-lo
porque acreditei. Mas os nossos primeiros nunca se enganam…
(*) Miguel Romão, Prof.
da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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