quarta-feira, 11 de outubro de 2017

AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NO EMPREGO


São agora as principais instituições que defendiam ainda há poucos anos “os méritos da flexibilidade laboral e das reduções salariais, as legais e as reais”, os que agora vêm, de uma forma envergonhada, dar a mão à palmatória reconhecendo que estavam a laborar um tremendo erro. Para o cidadão comum, que foi vítima, este reconhecimento vem tarde e a más horas, quando milhões de pessoas viram as suas vidas tremendamente afectadas e sujeitas a sacrifícios inúteis numa altura em que um número cada vez maior de responsáveis políticos e da área da economia chamavam a atenção para os nefastos efeitos da aplicação das políticas neoliberais.
Poucos agora se referem a esta situação porque não querem reconhecer o erro e, por isso, vale a pena divulgar opiniões como a seguinte (*) que transcrevemos do Público de hoje.
Como neste jornal se dava conta há poucos dias, parece que o FMI e a União Europeia entraram num processo de dúvida em relação aos méritos apregoados da flexibilidade laboral e das reduções salariais, as legais e as reais. Mais do que dúvida, aliás, negação.
Recorde-se que quando o novibancário Durão Barroso abandonou a Comissão Europeia, em 2014, a União Europeia tinha mais 20% de desempregados do que quando assumiu funções em 2004. E que parte muito significativa dos empregos criados desde então são ainda empregos em part-time e mal pagos. Em especial para os mais jovens. Os números são bem elucidativos: em Portugal, pensando nos jovens até 25 anos, 67% o que encontram são contratos a prazo, pagos de acordo com as tabelas que conhecemos...
Não se diga que as políticas não produzem resultados. Estes são também resultados directos daquela doutrina da “flexibilização da legislação laboral” e da defesa dos salários baixos. A “flexibilização” das regras laborais declinou-se em realidades muito palpáveis entre nós: redução ao mínimo dos contratos colectivos, aumento das possibilidades e dos prazos de contratação individual a prazo, redução dos custos de despedimento, manutenção do recurso generalizado ao falso trabalho independente sem qualquer fiscalização ou consequências.
Tudo isto embrulhado, aliás, num discurso prometendo crescimento económico e emprego. E que, por um lado, apelava a uma suposta valorização do mérito individual e, portanto, se mostrava pronto a recompor a “justiça no trabalho”; e, por outro lado, não hesitava em opor gerações, aviltando o suposto conforto laboral e pós-laboral dos mais velhos perante aquela que seria a dura mas necessária realidade dos mais novos.
Naquele texto, aliás, encontra-se uma afirmação muito elucidativa e de uma rara honestidade. António Bagão Félix, o economista que assumiu o cargo de ministro do Trabalho no XV Governo, de Durão Barroso (2002-2004), não hesitou agora em falar com grande clareza: “Não penso o mesmo que pensava em 2003. A relação entre a desregulação dos mercados de trabalho e o crescimento económico é um erro. Não existe tal relação”. O mesmo que vêm dizer FMI e Comissão Europeia, rodando 180 graus nas suas afirmações “técnicas” ao longo das últimas duas décadas. Numa União Europeia que continua, aliás, a manter escrito no seu tratado constitutivo um objectivo de pleno emprego ou o direito à protecção dos trabalhadores contra o despedimento sem justa causa.
Seria bom que também entre nós outros tirassem algumas conclusões e assumissem consequências daquele seguidismo programático a que se assistiu novamente a partir de 2011, o tempo da “troika”, nunca plasmado nos programas eleitorais. Neste contexto, a saída de cena de Pedro Passos Coelho surge por razões de mera conjuntura político-partidária, mas podia bem ter assomado com um toque de grandiosidade: se errei, fi-lo porque acreditei. Mas os nossos primeiros nunca se enganam…
(*) Miguel Romão, Prof. da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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