Podemos
ler no Público de hoje mais um excelente artigo de opinião de João Camargo,
investigador de alterações climáticas onde, como não podia deixar de ser, vêm
de novo á baila os grandes incêndios florestais que assolaram particularmente a
região centro com o enorme cortejo de vítimas mortais e a colossal destruição de
propriedades, empresas e habitações.
Infelizmente,
estes fogos vão repetir-se mas o mais importante é que não haja destruição de vidas
humanas. Para este efeito tem de haver os meios para uma intervenção imediata
mas o mais importante é apostar-se na prevenção, coisa que os sucessivos
Governos, desde há décadas, se têm alheado quase por completo.
Neste
artigo de opinião, que transcrevemos a seguir, João Camargo chama a atenção
para uma questão importante relacionada com os incêndios e que está
directamente ligada ao abandono do interior, o medo que se está a instalar
entre as populações, sistematicamente ameaçadas pelo fogo, cada vez mais
pujante e com consequências mais dramáticas. Não temos a mais pequena dúvida de
que viver no interior é cada vez menos atraente, por várias razões a que se
junta, cada vez mais, a ameaça dos incêndios.
No passado dia 15 a temperatura média do
país chegou aos 24ºC, nove acima do que seria normal. A humidade relativa, que
devia estar nos 60-70%, estava abaixo dos 25% em todo o país e “em certos
locais perto dos 10%, como acontece nos desertos”, dizia Pedro Viterbo, do
Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Quatro meses depois de Pedrógão
Grande, onde a temperatura também esteve 10ºC acima da média e com humidades
relativas baixíssimas, voltou a catástrofe.
O combate aos incêndios vive dentro de
uma caixa: de 1 de Julho a 30 de Setembro. Só que 15 dias antes e 15 dias
depois dessa caixa morreram mais de 100 pessoas em catástrofes florestais com
poucos paralelos a nível mundial. O combate vive numa caixa e as pessoas
também: como a 15 de Outubro é tradicional fazer queimadas, muitas fizeram-se.
Muitas deram origem a incêndios. Lançaram-se foguetes. As estatísticas
dizem-nos ainda que, em média, 20% das ignições florestais em Portugal têm
origem criminosa. Dentro de caixas vive ainda, separada do combate aos
incêndios, a prevenção (pouca). A falta de comunicação significa que parte do
combate é feito por quem tem poucos conhecimentos sobre floresta e território.
Fora da caixa da época dos incêndios ainda piora esta comunicação.
O oportunismo político leva a que nesta
altura a pressão se intensifique através de gestos teatrais. A mais que
merecida demissão da ministra da Administração Interna por incompetência e
inabilidade obscurece a competência e habilidade da ex-ministra da Agricultura
que implementou a lei dos eucaliptos. Obscurece ainda a competência e
habilidade que as empresas de celulose, os “Donos da Floresta”, tiveram ao
conseguir, governo após governo, cor política após cor política, nas vacas
gordas e nas recessões, pôr representantes seus à frente dos ministérios, das
secretarias de Estado, dos serviços. Ouviremos os que defendem o fim do Estado
ou o Estado mínimo insurgir-se contra as graves falhas do Estado. E ouviremos
exigir prioridade à floresta e aos fogos, mas só se houver margem orçamental.
O relatório da Comissão Técnica
Independente aponta grandes falhas nas áreas florestais em Portugal:
monoculturas contínuas de eucalipto e de pinheiro, abandono, minifúndio, falta
de gestão activa, descontrolo dos combustíveis e falhas nas estruturas de
combate. Do princípio ao fim, as áreas florestais portuguesas têm falhas
estruturais que incentivam o grande processo que pende sobre todo o território
nacional: a desertificação. O aumento da temperatura, que é a face mais visível
do aquecimento global, acelera todo esse processo. Assim estamos hoje.
O facto de terem morrido mais de 100
pessoas em Portugal devido a incêndios florestais em 2017 intensifica o
abandono das zonas rurais e das propriedades florestais. O medo é um factor
poderoso para aumentar o abandono, e muito terá de ser feito para responder com
confiança a uma situação que criou tanto medo. Estão neste momento cerca de 300
mil hectares (que poderão chegar aos 500 mil) de área ardida em Portugal em
2017. Dos incêndios de Junho a Agosto, os pés de eucalipto já rebentaram e são
o verde pálido que já se vê à volta de Pedrógão Grande. Estas áreas ardidas são
prioritárias para o que se vai fazer no futuro e para decidir sobre a floresta
futura.
Responder com fraqueza é deixar os
proprietários tratar das suas terras (as que têm proprietário conhecido) sem
regras ou com as regras da plantação liberalizada, o que levará a que daqui a
cinco anos a massa combustível dos pés de eucalipto agora rebentados permita
mais incêndios catastróficos. Os proprietários conhecidos têm de ser envolvidos
na solução, mas não voltar ao business as usual. Num mundo em mutação
acelerada temos de mudar rápido. Ou ganhará o abandono e, finalmente, o
deserto. A caixa do homo economicus, que só defende o seu interesse
próprio, é a receita da catástrofe.
A reforma florestal aprovada em Julho já
está ultrapassada. É assim quando tudo acelera. Está presa numa caixa que não
tem respostas suficientes. O fim das monoculturas é central, tal como o é a
entrada de espécies que possam suster solos, água, desacelerar e travar fogos.
A reforma de Julho não nos dá isso e continua a não fechar a porta à
eucaliptização, aos incêndios e à desertificação. O dia depois de amanhã tem de
chegar hoje à floresta.
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