Com
o título “Seria um crime desperdiçar
esta oportunidade”, José Vitor Malheiros (JVM) assina hoje no Público um
excelente artigo de opinião onde aborda as recentes catástrofes associadas aos
incêndios que assolaram de forma dramática a parte norte de Portugal.
Em
vez de apresentar um rol de nomes de culpados, tão do agrado de muita gente que
comenta a situação, JVM assenta a sua escrita na ideia de que o nível de destruição
foi tão radical que permite uma reconstrução em novas bases como que partindo
do zero em muitos casos e, portanto, tomando as medidas adequadas “para
evitar que uma vaga de incêndios desta dimensão” jamais possa ocorrer.
Todas as catástrofes são lamentáveis. E
todas exigem uma liderança determinada por parte dos dirigentes, para uma
rápida adopção de medidas para minimizar os danos humanos e materiais. Mas as
catástrofes são também, sempre, oportunidades para reconstruir. E para
reconstruir de forma tanto mais radical quanto mais destrutivos tiverem sido os
seus efeitos. Porque as grandes destruições obrigam a fazer tudo de novo e
porque a determinação de todos em encontrar soluções que permitam evitar uma
futura catástrofe é tanto maior quanto mais destrutivo tiver sido o efeito da
última.
É por isso que, depois dos incêndios dos
últimos dias e dos últimos meses e do seu macabro balanço, é o momento de
exigir do Estado — do Governo, das autarquias, dos organismos do Estado — que
ponha em prática todas as medidas necessárias para evitar que esta tragédia se
volte a repetir. Não apenas para evitar que uma vaga de incêndios se salde de
novo por este número elevadíssimo de mortos mas, de forma mais radical, para
evitar que uma vaga de incêndios desta dimensão possa ocorrer de novo.
Hoje, depois de Pedrógão e depois do 15
de Outubro, existe uma consciência alargada de que algo de muito errado ocorreu
em Portugal nas últimas décadas em termos de ordenamento do território, de política
florestal, de gestão das florestas, de organização da protecção civil, de
prevenção e combate aos incêndios, de fiscalização das florestas, de combate à
desertificação do interior, de transferência de conhecimento para os decisores
políticos, de formação profissional em todas estas áreas, etc.
Sabemos que todos permitimos que, em
todos estes domínios, a situação se degradasse para além do aceitável. E
sabemos que não é possível adiar por mais tempo a adopção das medidas
necessárias nem a aplicação no terreno dessas medidas. Como sabemos que muitas
dessas medidas serão difíceis de pôr em prática e que muitas afectarão
interesses particulares. Hoje, os cidadãos portugueses sentem que fomos longe
de mais no desleixo e na cedência a interesses ilegítimos e sabem que é
necessário fazer alguma coisa.
Seria criminoso que o Governo
desperdiçasse esta oportunidade. Seria imperdoável que todas estas vidas
perdidas não pudessem pelo menos servir para evitar outras mortes e para
resgatar outras vidas. O que a tragédia dos incêndios de 2017 já fez, pela sua
dimensão, foi passar uma clara procuração ao Governo para resolver o buraco em
que estamos. Uma procuração com carta-branca.
Hoje, depois de Pedrógão e depois do 15
de Outubro, depois de cem mortos e de um país em cinzas, o Governo possui mais
do que o necessário apoio popular para tomar medidas radicais eficazes. Hoje
não há desculpas para não tomar todas as medidas necessárias para prevenir os
fogos, para preservar a floresta, para defender as vidas e o sustento das
populações. Pode-se tomar medidas compulsivas de emparcelamento ou
fraccionamento onde elas se revelem necessárias, expropriar terrenos onde isso
for necessário para criar as infra-estruturas de prevenção e combate aos fogos,
pode-se mandar cortar as árvores que se devem cortar, impor a diversificação
das espécies onde ela seja aconselhável, restaurar os Serviços Florestais e
repor os guardas florestais que faltam, pode-se ordenar o envolvimento das
Forças Armadas na vigilância e combate a incêndios, pode lançar-se um programa
de envolvimento das populações para a prevenção e combate aos fogos, podem
aplicar-se as sanções necessárias a todos os prevaricadores, podem criar-se os
corpos de sapadores florestais e de bombeiros profissionais, podem lançar-se
medidas fiscais que incentivem a correcta gestão da floresta, podem impor-se
responsabilidades de limpeza das matas, podem incluir-se de novo no Estado as
responsabilidades que foram criminosamente negligenciadas quando saíram da sua
alçada. Não há dinheiro? Até Bruxelas aceirará esse acréscimo ao défice... e
sai mais barato que os incêndios.
António Costa pode fazer hoje na
floresta o que o marquês de Pombal fez na Baixa e até poderia redesenhar a
régua e esquadro as manchas florestais se o quisesse. Nunca voltará a haver
outra oportunidade como esta. Seria criminoso (e estúpido) não a aproveitar
para desenvolver o país.
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