sexta-feira, 21 de outubro de 2011

CONSTITUIÇÃO E NÃO SÓ

Ocorreu há poucos dias a jubilação do prestigiado constitucionalista e professor universitário Joaquim Gomes Canotilho. Nessa ocasião concedeu uma entrevista à revista “C”.
Quando há vozes que, aproveitando a crise, propõem uma revisão da Constituição como se nela estivessem as raízes dos nossos problemas, achámos interessante destacar os seguintes passos da entrevista:
(…)
Como constitucionalista, como vê o debate em torno da necessidade de rever a Constituição?
Eu admito que possa haver nova Constituição, ou revisão. As gerações têm direito a rever, mas é preciso o povo. Não vejo que possa haver uma Constituição, nos termos do Estado de Direito, imposta por elites, por castas ou pelo estrangeiro. Por outro lado, querer rever a Constituição é querer solucionar problemas pontuais que a Constituição não pode, razoavelmente, resolver. Em terceiro lugar, a Constituição, em meu entender, não impede a modernização do país. Quando se fala no problema dos despedimentos sem justa causa, do serviço público de saúde, de ensino ou de Segurança Social eu deixo um desafio: façam um referendo sobre isto e vejam o que é que o povo quer. Uma coisa é eu discutir em termos intelectuais o problema, outra coisa é ver como vou resolver estas questões em termos de sintonia com as aspirações e com as necessidades de todo o povo. Por isso é que eu não me mostro muito entusiasmado com mudanças que são um pretexto para adiarmos a solução dos problemas.

A culpa é dos políticos?
Nós não podemos exigir muito hoje à política. Ela é, muitas vezes, a consequência da própria organização e da própria formação e, também, muito dependente em termos externos. Daí que o tipo normativo de político seja hoje uma pessoa completamente diferente, mas que não podemos deixar de levar a sério. Dominar os dossiês, conhecer teorias políticas e económicas, ter uma noção clara do que são as políticas públicas, desde a saúde ao ensino ou à energia, ter em conta todos os cruzamentos que isso envolve (de diplomacia económica ou grupos de pressão) e ter em conta a supervisão em termos intergeracionais exige a um político qualidades que os antigos não tinham.

Concorda com o julgamento dos políticos?
Não gosto muito do que vejo ser agitado na imprensa: a ideia de justiceiros, de que tudo deve terminar no banco dos réus, porque são incompetentes. Se há crimes, é óbvio que não deve haver um estatuto diferente para os titulares de cargos públicos. Mas a desaprovação deve ter uma sanção eleitoral, no escrutínio popular. Se há incompetência generalizada, devemos fornecer mais competências. Se há corrupção, devemos ter institucionalizados esquemas de prevenção e de controlo que evitem essa corrupção. Eu, contrariamente ao que vejo na imprensa, acho que é cada vez mais importante lidarmos com imperativos categóricos para as pessoas que desempenham funções públicas não aceitarem cargos incompatíveis, não terem comportamentos ambíguos, dedicarem-se à função pública e não terem tarefas particulares em que não se dissociem dos lóbis e dos centros de interesses. Temos de reabilitar a política, porque ela é a arte mais importante colocada ao serviço das pessoas. Temos todos de fazer o nosso trabalho pessoal, desde os imperativos categóricos que nos devem nivelar até à devoção que devemos ter na feitura das coisas. Penso que isso implica uma mudança de mentalidades.

Teme alguma agitação social?
Eu penso que não vale a pena dizer que os gregos não devem protestar, que os jovens não devem protestar, que não deve haver manifestações… esses são direitos que devem ser exercidos com legitimidade. O que eu sinto verdadeiramente é que não há possibilidade de termos tranquilidade sem termos um mínimo de coesão económica e social. E esta falta de coesão é fatal para as nossas comunidades.
(…)

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