O texto seguinte faz uma crítica muito directa ao que pode acontecer ao mundo quando entregue exclusivamente à lógica dos mercados e ao capital financeiro. Os governos, que actualmente são compostos por gente de muito fraca qualidade, estão quase exclusivamente ao serviço daqueles agentes. Mas, como se verifica ao longo do texto, sempre assim aconteceu quando o capital foi deixado à rédea solta. No final, de forma muito subtil, o autor chama aos governantes actuais aquilo que parece não chamar. Muito bem!
A grande quadrilha
Dez anos depois dos atentados do 11 de Setembro e da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), então considerada como um elemento virtuoso da mundialização, e da liberalização total do planeta financeiro, confundindo depósitos, créditos e operações de especulação, o terrorismo continua a cavar sepulturas e a crise instalou-se em muitos países ocidentais, de Atenas a Washington.
Se só Alá saberá como irão evoluir as “Primaveras Árabes”, já ninguém duvida de que o Iraque foi e é uma catástrofe ou da insustentabilidade da situação no Afeganistão, tendente a disseminar-se ao Paquistão e ao reacendimento do seu velho conflito com a Índia, mais uma “herança” inglesa.
Quanto à outra questão que tanto nos aflige, nunca se poderá esquecer que o dinheiro que os governos mundiais injectaram em bancos e seguradoras, nos últimos três anos, foi o equivalente a cinquenta planos Marshall, programa de auxílio à Europa, após a II Grande Guerra. Ficou, também, evidente, quem manda em todo este processo – City londrina e Wall Street (finalmente contestada nas ruas) – cabendo aos profissionais da política inventarem soluções irrisórias, traduzidas em planos de austeridade (recessão), precariedade e mobilidade, com a consequente desvalorização do conteúdo e do contrato de trabalho, e no que é, talvez mais assustador, a passagem da coesão e segurança sociais para políticas do mais puro assistencialismo.
Noutras épocas e, naturalmente, em contextos diferentes, registaram-se acontecimentos com repercussões directas na vida quotidiana, que mereceram comentários e críticas fundamentadas de estudiosos com diferentes matizes ideológicas. Assim, nas décadas de 1820/30, por exemplo, um outro pauperismo surgiu com a revolução industrial, não o dos vagabundos ou dos mendigos, mas o decorrente da liberdade total do mercado, com os trabalhadores obrigados a aceitarem salários de miséria, de que as manufacturas de Manchester constituem o exemplo do estudo de Karl Polanyi (A Grande Transformação, 1944). Cito, tão só, uma pergunta humorística da época: O que é uma manufactura? Uma invenção para fabricar dois artigos – o algodão e os pobres.
Se nos interrogarmos sobre a mundialização e a sua actual desregulamentação, vejamos o que escrevia Max Weber (Ética protestante e espírito do capitalismo, 1904/5): Em todas as épocas da história, esta febre de aquisições sem piedade, sem relação com nenhuma moral, sempre chegou onde quis, desde que o possa fazer (…), processo semelhante à guerra e à pirataria.
O triunfo do individualismo e do mercado consagram, paradoxalmente, o par desigualdade/conformismo, o que é prejudicial à liberdade democrática, escrevia Alexis Tocqueville (Da democracia na América, 1840), revelando os que “preocupados em fazer fortunas, não se apercebem do vínculo estreito que une o dinheiro particular de cada um deles à prosperidade de todos”.
Já no seu, mais do que esquecido, ensaio (Miséria da Filosofia, 1848), Karl Marx alertava para o tempo em que tudo o que os homens consideravam como inalienável se tornava em objecto de troca e de tráfico – a virtude, o amor, a opinião, a ciência e a consciência – tudo passa pelo comércio. Tempo de corrupção geral, da venalidade universal, tempo em que qualquer coisa, moral ou física, é levada para o mercado.
Concluindo, agora, pela actualidade, opto por algumas palavras do Papa Bento XVI, na sua recente visita à Alemanha, citando a tradução feita pelo padre e filósofo Anselmo Borges (DN, 1 de Outubro): servir o direito e combater o domínio da injustiça é e continua a ser o dever fundamental dos políticos e é na sua aplicação que distingue o Estado de “uma grande quadrilha de bandidos”. (João Marques, diplomado em Ciências da Comunicação, “Diário de Coimbra”)
Luís Moleiro
A grande quadrilha
Dez anos depois dos atentados do 11 de Setembro e da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), então considerada como um elemento virtuoso da mundialização, e da liberalização total do planeta financeiro, confundindo depósitos, créditos e operações de especulação, o terrorismo continua a cavar sepulturas e a crise instalou-se em muitos países ocidentais, de Atenas a Washington.
Se só Alá saberá como irão evoluir as “Primaveras Árabes”, já ninguém duvida de que o Iraque foi e é uma catástrofe ou da insustentabilidade da situação no Afeganistão, tendente a disseminar-se ao Paquistão e ao reacendimento do seu velho conflito com a Índia, mais uma “herança” inglesa.
Quanto à outra questão que tanto nos aflige, nunca se poderá esquecer que o dinheiro que os governos mundiais injectaram em bancos e seguradoras, nos últimos três anos, foi o equivalente a cinquenta planos Marshall, programa de auxílio à Europa, após a II Grande Guerra. Ficou, também, evidente, quem manda em todo este processo – City londrina e Wall Street (finalmente contestada nas ruas) – cabendo aos profissionais da política inventarem soluções irrisórias, traduzidas em planos de austeridade (recessão), precariedade e mobilidade, com a consequente desvalorização do conteúdo e do contrato de trabalho, e no que é, talvez mais assustador, a passagem da coesão e segurança sociais para políticas do mais puro assistencialismo.
Noutras épocas e, naturalmente, em contextos diferentes, registaram-se acontecimentos com repercussões directas na vida quotidiana, que mereceram comentários e críticas fundamentadas de estudiosos com diferentes matizes ideológicas. Assim, nas décadas de 1820/30, por exemplo, um outro pauperismo surgiu com a revolução industrial, não o dos vagabundos ou dos mendigos, mas o decorrente da liberdade total do mercado, com os trabalhadores obrigados a aceitarem salários de miséria, de que as manufacturas de Manchester constituem o exemplo do estudo de Karl Polanyi (A Grande Transformação, 1944). Cito, tão só, uma pergunta humorística da época: O que é uma manufactura? Uma invenção para fabricar dois artigos – o algodão e os pobres.
Se nos interrogarmos sobre a mundialização e a sua actual desregulamentação, vejamos o que escrevia Max Weber (Ética protestante e espírito do capitalismo, 1904/5): Em todas as épocas da história, esta febre de aquisições sem piedade, sem relação com nenhuma moral, sempre chegou onde quis, desde que o possa fazer (…), processo semelhante à guerra e à pirataria.
O triunfo do individualismo e do mercado consagram, paradoxalmente, o par desigualdade/conformismo, o que é prejudicial à liberdade democrática, escrevia Alexis Tocqueville (Da democracia na América, 1840), revelando os que “preocupados em fazer fortunas, não se apercebem do vínculo estreito que une o dinheiro particular de cada um deles à prosperidade de todos”.
Já no seu, mais do que esquecido, ensaio (Miséria da Filosofia, 1848), Karl Marx alertava para o tempo em que tudo o que os homens consideravam como inalienável se tornava em objecto de troca e de tráfico – a virtude, o amor, a opinião, a ciência e a consciência – tudo passa pelo comércio. Tempo de corrupção geral, da venalidade universal, tempo em que qualquer coisa, moral ou física, é levada para o mercado.
Concluindo, agora, pela actualidade, opto por algumas palavras do Papa Bento XVI, na sua recente visita à Alemanha, citando a tradução feita pelo padre e filósofo Anselmo Borges (DN, 1 de Outubro): servir o direito e combater o domínio da injustiça é e continua a ser o dever fundamental dos políticos e é na sua aplicação que distingue o Estado de “uma grande quadrilha de bandidos”. (João Marques, diplomado em Ciências da Comunicação, “Diário de Coimbra”)
Luís Moleiro
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