domingo, 13 de novembro de 2011

O INFERNO GREGO

Cremos que a grande maioria dos portugueses não tem uma ideia aproximada do inferno em que se transformou o dia-a-dia dos gregos com a entrada em vigor de repetidas medidas de austeridade impostas do exterior. Os grandes meios de comunicação social, sempre muito lestos a acorrer, noutros lugares e noutras circunstâncias, a acontecimentos sociais e políticos de menor dimensão, consciente ou inconscientemente, estão a esquecer os cidadãos gregos e as actuais condicionantes da sua vida.
Só nos mostram os distúrbios provocados por alguns indignados em Atenas e criticam o “nervosismo” provocado nos mercados quando o primeiro-ministro Papandreu ameaçou consultar o povo através de um referendo.
Se quiséssemos ir mais longe, diríamos que talvez nos estejam a querer esconder aquilo a que os portugueses poderão vir a estar sujeitos daqui a algum tempo. De qualquer maneira, devemos estar muito atentos.
Na Grécia de hoje, a vida retrocedeu várias décadas, em muitos aspectos. A falta de dinheiro levou a que se regressasse às trocas directas. Trocam-se produtos por produtos ou serviços por produtos, sem intervenção de moeda, em muitos casos. Em Portugal, os últimos resquícios de troca directa terão desaparecido há, pelo menos, 50 anos.
Mas há outro aspecto do que agora sucede na Grécia, que tem uma faceta mais grave: assiste-se a uma espécie desobediência generalizada, tomando por vezes aspectos provocatórios como se pode constatar no seguinte excerto de um artigo de opinião do jornalista Paulo Moura que hoje se pode ler na revista “Pública”:
“Para muitos gregos, o que têm feito vão continuar a fazer, ainda com mais convicção: não pagam impostos. A impunidade está garantida pela falta de dinheiro ou bens.
Quando não se tem nada, o que nos podem tirar? Há um poder enorme conferido pela pobreza. Ainda maior, quando se descobre que se pode viver feliz com muito pouco.
O Governo está a incluir impostos nas contas da electricidade. E a cortar o abastecimento a quem deixa de pagar. Em resposta, organizou-se um movimento, apoiado pelos sindicatos, para fazer ligações directas aos postes e centrais.
A desobediência está a alastrar-se. Com uma certa volúpia. As pessoas têm prazer em não cumprir nada. Em Atenas, fuma-se em todos os cafés, bares, restaurantes, locais de trabalho, apesar da lei que o proíbe. Os motociclistas circulam com o capacete debaixo do braço.
Há um limite abaixo do qual ninguém aceita viver. A felicidade não se pode impor por decreto, mas a infelicidade também não. Se o contrato social deixa de servir a uma das partes, quebra-se, como qualquer contrato. A ideia de que uma geração pode ser sacrificada é absurda por definição. Sacrificada a quê?
Ninguém entende como podem os gregos viver submetidos a tanta pressão. Pois a explicação é esta: à margem das notícias, eles já estão a libertar-se.”
Apetece dar vivas aos gregos que decidiram enfrentar o sistema, de peito aberto.

Luís Moleiro

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