quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O PODER DO SECTOR FINANCEIRO

O poder quase ditatorial que o sector financeiro foi acumulando é tão óbvio que, até as pessoas mais insuspeitas de qualquer inclinação ideológica à esquerda, o criticam de forma veemente. O texto que a seguir apresentamos foi transcrito do Diário de Coimbra de 31 de Outubro último e o seu autor é um economista, militante do PSD, que desempenha funções de topo numa empresa municipal.

Outra vez a banca
“Longe vão os tempos da Idade Média em que a necessidade de facilitar as trocas comerciais entre prósperos comerciantes de diversos Estados (cada um com a sua própria moeda – um dos mais relevantes sinais de soberania) e a indisponibilidade de se deslocarem entre uma cidade e outra (longas viagens sujeitas aos mais diversos perigos e imprevistos) transportando avultadas quantias, deu origem aos primeiros bancos.
Até aos dias de hoje muitas foram as mudanças e os progressos socioeconómicos, científicos e tecnológicos que alargaram exponencialmente a importância dos bancos nas nossas vidas, tornando-os indispensáveis nas sociedades modernas.
Ao transferir para os mercados a responsabilidade/possibilidade de avaliar as economias (e os agentes económicos) e de as distinguir conforme os seus comportamentos e potencialidades, os diversos Estados foram alienando para os mercados um enorme poder que deixaram gradualmente de controlar.
Materializando o princípio de que os agentes económicos se comportam de forma mais racional que os governos, os ciclos eleitorais foram dando lugar a uma nova forma de conduzir a economia assente no primado dos mercados.
Neste contexto a banca reforçou o seu poder, tornando-se, pela sua escala e pela crescente importância do seu papel, um dos sectores mais importantes da sua economia. Tão influente que, por todo o mundo, sucessivos governos se foram tornando reféns dos seus interesses – muitas vezes contraditórios com o interesse colectivo.
Por essa razão conseguiram beneficiar de imensas vantagens concedidas pelo Estado (de que a fiscalidade mais favorável é apenas um exemplo), levando mesmo a que se faça tudo para evitar a sua falência. Com efeito, ao contrário do que acontece com qualquer outra empresa (ou sector de actividade), os Governos têm investido triliões de euros para salvar os Bancos, independentemente dos erros de gestão e da incompetência (e honestidade) das suas administrações.
Já escrevi nestas páginas que a Banca tem, na actual crise, uma responsabilidade muito maior do que pretende fazer crer. E que, por beneficiar de um estatuto e de condições especiais, deve também assumir uma responsabilidade acrescida. A responsabilidade de continuar a apoiar a economia nacional no seu esforço pela manutenção do emprego e pela geração de riqueza que ajude o país a sair do buraco em que se encontra, deve ser permanentemente exigida à Banca e aos seus administradores.
A entrada do Estado no capital dos bancos por via da obrigatoriedade da sua recapitalização é a oportunidade ideal para impor esta e outras condições e reequilibrar os pratos da balança (dos direitos e obrigações) entre a Banca e os restantes sectores económicos e sociais.
Percebe-se o incómodo dos seus administradores e os esforços que, ao limite do patético, têm feito a fim de evitar a entrada do Estado no seu capital social. De tudo um pouco se ouviu nesta tentativa desesperada: desde a criação de uma espécie de “bad bank” ao pagamento das dívidas do Estado e das empresas públicas.
O Sr. Primeiro-ministro já foi avisando que não poderão distribuir dividendos durante algum tempo – recorde-se que, beneficiando de uma fiscalidade mais favorável, os Bancos foram, ao longo dos anos, distribuindo dividendos aos seus accionistas, fragilizando a sua condição ao ponto de sermos obrigados a evitar, com dinheiros públicos, a sua descapitalização.
Mas isso, em minha opinião, não basta. É preciso exigir também a contenção salarial e acabar coma obscena distribuição de prémios entre os seus administradores. É que, ao contrário do argumento fácil (e que até agora foi sempre uma sacrossanta questão), já não é apenas um assunto entre privados.
A partir do momento em que o dinheiro dos contribuintes é usado para salvar os Bancos e que a estes se permitem vantagens que outras empresas (sectores) da economia não têm, também se lhes devem impor algumas limitações nos seus comportamentos. É, no actual contexto em que se exigem enormes sacrifícios aos portugueses, uma questão de elementar moralidade.
O Estado tem hoje menos margem de manobra em matéria económica e esta perda de soberania trouxe enormes dificuldades e sofrimento aos cidadãos, como estamos amargamente a constatar. Não pode pois abdicar do seu papel no que concerne à moralização de comportamentos na sociedade e à equitativa distribuição de sacrifícios.
Deve por isso, e não apenas através das entidades de regulação e supervisão, evitar que a lógica de orientação para resultados de curto prazo impere na actuação do sistema financeiro, obrigando ao alinhamento de estratégias e à conciliação dos objectivos dos Bancos com o interesse colectivo.”
(Marcelo Nuno, economista)

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