domingo, 15 de abril de 2012

TUDO TEM UM LIMITE

Este pequeno texto de Daniel Oliveira que transcrevemos do “Expresso” de sábado (14/4) tem um conteúdo muito forte. Nos povos como nas pessoas, é sempre de esperar o pior quando a humilhação chega a um ponto em que não se tem nada a perder. A partir desse momento tudo pode acontecer. O Governo português, que se está a comportar como mandatário de uma força de ocupação, anda a desafiar a paciência de todos nós ao esticar cada vez mais a corda da agressividade das medidas implacáveis que nos atingem todos os dias, ainda por cima embrulhadas nas mais despudoradas mentiras. Há um limite para tudo, até para a falta de respeito para com os cidadãos.

MORTE NA PRAÇA SINTAGMA
“O Governo alienou qualquer esperança para a minha sobrevivência e não conseguirei qualquer justiça. Não encontro outra forma de luta que não seja um fim digno antes de começar a procurar comida no lixo.” Foi este o bilhete que o farmacêutico reformado deixou, para que fosse lido depois do seu suicídio. E, para quem tivesse dúvidas sobre o sentido político do mais radical dos gestos, matou-se na Praça Sintagma, em frente ao Parlamento grego.
Pode um suicídio, o mais solitário e desesperado ato humano, ter uma leitura política? Do ponto de vista simbólico, claro que sim. Ou seja, só o tem se, para o resto da sociedade, for assim compreendido. Se o desespero individual traduzir, no seu absoluto dramatismo, um desespero coletivo. Não esqueçamos Jan Palach que se imolou na Praça de São Venceslau, transmitiu a sua raiva pela desistência do seu povo em lutar pela sua dignidade e pela sua independência meio ano depois dos tanques russos terem chegado a Praga. Ainda hoje não saberemos que sentimentos pessoais o terão levado a tanto. Mas sabemos que ele se transformou num símbolo incómodo para a ditadura e abalou a consciência dos checos. Porque eles, mesmo não se revendo naquele ato, sabiam bem o que aquilo, no seu trágico simbolismo, queria dizer. Sabem também os gregos. Pela mesma razão: o desprezo por um poder político incapaz de defender a dignidade do povo e a independência da Grécia. O suicídio do reformado foi um gesto pessoal. Provavelmente difícil de compreender. Mas o seu gesto é claro. E obriga a Europa a pensar no que está a fazer aos gregos e se prepara para fazer aos portugueses. Não se brinca com o desespero dos povos. Até os piores ditadores o sabem: podemos humilhar os cidadãos até ao limite em que eles nada tenham a perder. E um suicídio, quando é entendido por esse povo como um gesto político, é apenas o sinal de que tudo pode acontecer. Que se cuidem os coveiros das democracias europeias e do Estado social que conquistámos com grande sacrifício: podem estar eles próprios, a cavar a sua sepultura."

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