Desconhecemos
o número exacto de crianças – talvez nunca chegaremos a saber – que foram violentamente
separadas dos seus pais na fronteira dos Estados Unidos com o México e
enjauladas por ordem das autoridades norte-americanas, como forma de impedirem
a entrada de imigrantes ditos ilegais.
Agora,
imagine-se que um qualquer governo estrangeiro cometesse uma sevícia deste
quilate a uma, apenas uma, criança estadunidense, qual seria a reacção das
autoridades americanas.
Estamos,
pois, perante um crime inqualificável que nada nem ninguém podem justificar.
Proteger as crianças é um dever público em qualquer parte do mundo, seja em que
circunstância for.
Em
poucas mas vigorosas palavras, a cientista social e activista Nina Vigou Manso
aborda em artigo de opinião no “Público” de hoje a acção criminosa do Governo
americano perante o alvo mais indefeso deste mundo, as crianças que, neste
caso, cometeram o delito de acompanharem os pais em busca de um futuro melhor.
Desde
Maio, os Estados Unidos decretaram uma política de tolerância zero em relação à
passagem "ilegal" da sua fronteira com o México. Sucede-se a violenta
separação de pais, mães e suas crianças. Seria relevante mencionar que
entidades como as Nações Unidas já criticaram esta política, apelidando-a de
desumana. “Espanto”, é irrelevante: os Estados Unidos saíram do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Consideram o conselho “parcial” e um “pobre defensor dos direitos humanos”.
Anedótico? Não. Despótico. E conveniente.
Não
vamos ser redundantes e falar sobre os danos permanentes causados pela
separação das figuras parentais e crianças, ou imaginar a acústica das gaiolas
das crianças e adolescentes raptados, como ressoarão os seus gritos e ataques
histéricos, ou se a ventilação é adequada para escoar o odor dos fluidos
corporais. Falemos de outro ponto: quando o "bicho-papão" das
histórias que contamos às nossas crianças se torna realidade, o que devemos
fazer? “Who
you gonna call?”
Se
estas crianças inocentes estão a ser violentadas, traumatizadas para o resto
das suas vidas, a culpa é partilhada. Protegê-las é um dever público. Quando as
vítimas são o alvo mais indefeso deste mundo e as pessoas não se enchem de
raiva, a humanidade não tem salvação. Há todo um historial que o comprova e
tudo se repete. Desde a escravatura que se arrancam dos braços das mães negras
os seus filhos. O crime de separar famílias é secular, ainda estamos a viver os
seus traumas. As crianças que já foram separadas, nesta vaga recente, estão
traumatizadas. Quem é que vai ser penalizado por tal crime? Ninguém. Não se
assumem culpas, logo não se apuram responsabilidades, não existem reparações e
mudanças impactantes. A tolerância zero mantém-se, prendem-se famílias
inteiras, por tempo indefinido. As crianças continuam presas, sem esperança. O
lugar delas é num lugar que promova bem-estar e um projecto de vida. Elementar.
Não
importa ficar do lado certo da História, importa sim que esta história não
aconteça. Há coisas que não se negoceiam. Não há advogado do diabo para
racismo, tortura, maus-tratos a menores, violação de direitos da humanidade.
Resgatam-se as ruas e os locais certos. Não visitamos "centros de
detenção", fechamo-los. Nenhuma criança fica para trás. Diz-nos a História
que foi com esta mesma passividade que se deu o holocausto, a escravatura e
mais genocídios em curso. Alguém se imaginaria a visitar um campo de
concentração, sair, tecer meia dúzia de comentários e seguir para um brunch com
amigos? Mais: fossem aquelas crianças brancas, vindas de um país ocidental,
seriam os (des)ânimos tão “diplomáticos”? Nunca.
Onde está a desobediência civil? Em
tempos com menos recursos, invadiam-se as ruas e arriscava-se. Os protestos
eram concertados, com a exigência de obter mudanças imediatas: o direito a
estudar e em qualquer escola, a votar e decidir o próprio destino, a matar a
sede sem correr risco de vida, com acções que iam desde a permanecer-se sentada
num banco de autocarro a fazer parar uma fileira de tanques de guerra. Ainda
existem insurgentes, todavia, quase sempre do lado dos oprimidos. E, por isso,
pergunto: onde estão os aliados nestes momentos? O que é essa coisa badalada de
ser aliado? Nestas alturas, reafirmo que parece não ser nada. São raptadas
crianças negras pelo mundo fora, outras são assassinadas pela polícia, as
latino-americanas encarceradas em jaulas e a vida continua. Porém, diz-se: “O
melhor do mundo são as crianças.” Quais? As vossas?
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