Quando
nada fazia prever, os dias que correm voltaram a ser negros para os professores
portugueses, fazendo recordar os piores momentos do consulado de Maria de Lurdes
Rodrigues como ministra da Educação no Governo Sócrates. Não é possível
esquecer que ocorrerem, então, duas megamanifestações de professores e educadores,
com mais de 1 centena de milhar de manifestantes cada uma, consideradas as
maiores de uma única classe profissional jamais ocorridas em Portugal.
O
que se passa actualmente no nosso país tem muitos contornos do que então
sucedeu, particularmente no que diz respeito à insidiosa propaganda contra a
classe docente, outra vez acusada de privilégios que não tem e culpada das
dificuldades financeiras por que passam as contas públicas. Agora, como no
tempo de Sócrates, recorreu-se a uma manobra de intoxicação da opinião pública,
com a desbragada utilização das redes sociais onde a mentira faz lei.
Tudo
gira à volta da contagem do tempo de serviço dos professores, congelada pelo Governo
de direita, mas cuja reposição todos esperavam que agora se fizesse contando
com a “palavra honrada” do actual Governo PS. Afinal, já todos percebemos que
os docentes estão a ser alvo de um conto do vigário e vão ter de lutar muito
para que seja reposta a justiça que num passado recente lhes foi prometida.
Num
artigo de opinião que assina no “Público” de hoje, Santana Castilho, Prof. do
Ensino Superior surge, de forma desassombrada a repor a verdade sobre as mais
que justas reivindicações dos professores.
Num final caótico de ano escolar, é necessário impedir
que a informação falsa seja mais rápida que a verdadeira e a política seja
confinada ao quarto escuro da manipulação. Daí a anáfora que se segue,
particularmente dedicada a António Costa, Alexandra Leitão, João Costa, Lobo
Xavier, José Miguel Júdice, Fernando Medina, Pedro Silva Pereira, Pedro Marques
Lopes e Miguel Sousa Tavares.
– Não é verdade que a contagem de todo o tempo de
serviço prestado pelos professores signifique um encargo de 600 milhões de euros.
O número que António Costa referiu no Parlamento (e virou mantra nos jornais e
televisões) foi colhido da leitura apressada (ou maliciosa) do Programa de
Estabilidade 2018-2022. Acontece que tal número diz respeito ao descongelamento
de todos os trabalhadores públicos, que não só dos professores. Desagregando
estes, estaremos a falar de 380 milhões. Significativamente, o Ministério das
Finanças já começou a corrigir as suas contas: os custos de 2018 já passaram de
90,2 para... 37 milhões.
– Não é verdade que alguma vez os professores tenham
exigido pagamento de retroactivos. A contagem de todo o tempo de serviço
prestado só é reclamada para efeitos futuros, sendo que os docentes propõem que
o respectivo impacto seja acomodado de 2019 a 2023.
– Não é verdade, como afirmou António Costa, que o
compromisso do Governo seja apenas descongelar as carreiras e que em nenhuma
carreira tenha havido recuperação do tempo do congelamento. Citando Churchill,
quando António Costa fala dos professores, o que diz parece “uma adivinha,
embrulhada num mistério, dentro de um enigma”.
– Não é verdade que Alexandra Leitão tenha falado de
factos no artigo que escreveu no PÚBLICO.
Ela falou de fictos. A memória de passarinho da secretária de Estado fê-la
esquecer que no texto do compromisso consta “o tempo” e não apenas “tempo” a
recuperar. Letrada que é, só em deriva ficcional pode reconhecer que o
compromisso assume a “especificidade da carreira docente” para, do mesmo passo,
se enlear numa espúria tentativa de a anular como carreira especial (à
semelhança dos militares, polícias, magistrados, médicos e enfermeiros),
indexando-a à carreira geral da função pública. Mas, mais grave que isto é esta
doutora em leis ignorar os dois factos que importam: discutir a semântica do
compromisso tornou-se irrelevante quando a Lei do Orçamento de 2018 (artigo
19.º) estabeleceu que “o” tempo a recuperar não é matéria a negociar, mas
tão-só o prazo e o modo de o fazer, em função das disponibilidades orçamentais;
o esbulho que Passos iniciou e Costa quer eternizar, só passou no Tribunal
Constitucional sob condição de ser transitório, que não permanente.
– Não é verdade que a infeliz nota informativa da
DGEstE tenha pretendido apenas esclarecer normativos em vigor (declarações de
João Costa). Fora ele carpinteiro de toscos e não secretário de Estado, e eu
aceitaria que desconhecesse o que reza a portaria n.º 243/2012 e o despacho
normativo n.º 1-F/2016. Assim, tratou-se antes de um expediente vil (como tal
participado à Procuradoria-Geral da República) para impedir uma greve legítima.
– Não é verdade que os docentes progridem na carreira
de modo automático. Para progredirem, os professores têm de: obter
classificação mínima de “bom” na avaliação de desempenho; frequentar com
aproveitamento formação contínua certificada; submeter-se a avaliação externa
(aulas assistidas); conseguir passar pela porta estreita das vagas
limitadíssimas definidas pelo Governo, para o acesso ao 5.º e 7.º escalões.
–
Não é verdade que os professores portugueses são os mais bem pagos da OCDE.
Convém recordar que os seus salários líquidos variam entre um mínimo de 1025,43
euros e um máximo de 2207,47 euros. Convém recordar que entre estes dois
valores medeiam uns teóricos 34 anos de carreira (reais 48), o que explica que,
actualmente, não exista um único professor a receber o salário correspondente
ao último escalão. Convém recordar que milhares de professores estão há mais de
uma década no primeiro escalão e a maior parte deles jamais chegará aos
superiores.
–
Não é verdade que Portugal tem ministro da Educação. Portugal tem um factotum de Centeno, uma espécie de Lola do Simplex,
que vai à bola a Moscovo quando a Educação arde em Lisboa.
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