Nenhuma
pessoa de esquerda tenha a mais pequena ilusão de que o PS aceitou a actual solução
governativa apenas por oportunismo político e nunca esteve de alma e coração com
ela. Tinha de ser assim porque em 2015 PSD e CDS eram uma péssima companhia
para formar um governo, depois de todas as malfeitorias que levaram a cabo
contra a população portuguesa.
O
estado de alma dominante no actual PS tem vindo a revelar-se nos últimos tempos
não é muito diferente daquele que sempre se sentiu mais confortável ao lado da
direita enquanto desconfiava dos partidos à sua esquerda. E, de forma
inexorável, essa realidade está a vir outra vez ao de cima, como bem percebemos
com o modo intransigente com que está a lidar com o Bloco e o PCP, que deram
suporte à actual fórmula governativa, para que fosse travada a continuação do
empobrecimento da esmagadora maioria da população portuguesa.
Assim,
acreditamos que “as crises e crispações” que o PS está a provocar de forma
deliberada, constituem uma estratégia a que devemos prestar toda a atenção,
pela meticulosidade com que “está a ser seguida”, como muito bem afirma
Francisco Louçã na excelente crónica que assina no “Expresso Diário” de hoje.
Se
me pergunta se o Governo está a provocar crises e crispações, a resposta é sim.
Está, sabe o que faz e é mesmo isso que quer. É uma estratégia e está a ser
seguida meticulosamente.
Começou
no congresso do PS, que foi o que foi: a festa de um partido que sonha com a
maioria absoluta, um príncipe a promover o recentramento político com o ousado
elogio da saudosa terceira via e o líder a prometer um programa para o regresso
dos jovens emigrados, tudo inaugurado com um bandeirante espetáculo a La Feria e
servido com especulações sobre as linhagens da sucessão longínqua. Acha pouco?
O congresso gostou.
Nuno
Melo, com a indiscreta elegância de um pterodáctilo, foi lá apedrejar o que
chamou de Disneylândia. Não percebeu o que se passou, não descortinou como o PS
ocupa o centro e vence em todos os critérios que a direita definiu para si
própria, a começar pelo défice, que era o santo dos santos. Assim, se alguma
coisa sai do congresso, é confiança. Tanta confiança que o congresso ignorou o
irritante, como agora se diz, de o Governo depender de acordos com outros
partidos. Mas houve algo mais que mudou depois de um congresso cuja novidade
foi mesmo não olhar para trás nem para o lado.
Primeiro,
num ápice o Governo arrumou a negociação com as entidades patronais (e a UGT, o
hábito faz o monge) sobre o Código do Trabalho. Os negociadores ficaram
contentes e Saraiva mais do que todos: sabe que as medidas para limitar o
trabalho temporário são contornáveis e que a taxa sobre a rotatividade é letra
morta, e sabe que a extensão do período experimental cria uma nova forma de
contrato sem contrato, ou que a votação de banco de horas em pequenas empresas
é para ser ganha pelo patrão. Sabe também o sinal político que é dado. Se o
Código Laboral era um dossiê tão essencial para a esquerda e o Governo negociou
diligentemente com o patronato, mas esqueceu-se de sequer informar em tempo
útil os seus parceiros de alguns dos detalhes das suas propostas, e não dos
menos importantes, o recado fica dado.
Segundo,
estando o Governo a acompanhar o trabalho de António Arnaut e João Semedo para
uma nova Lei de Bases da Saúde, resolveu opor-lhes uma comissão, chefiada por
Maria de Belém, com um mandato prolongado e resultados previsíveis. Se o
Governo recusou encurtar esse tempo, foi porque preferiu tornar inviável um
trabalho de preparação de um projeto de Lei que represente uma convergência
maioritária na defesa consistente do SNS. Aliás, Mariana Vieira da Silva deu o
assunto por encerrado numa entrevista recente. Vão duas.
Terceiro,
temos a reunião de ontem do Ministério da Educação com os sindicatos dos
professores. Percebo que o Governo negoceie a partir da sua proposta de que, do
tempo de congelamento, só contem para a progressão das carreiras os seus dois
anos, nove meses e dezoito dias em vez dos nove anos, quatro meses e dois dias
que ficaram devidos. O Ministério das Finanças é quem mais ordena. Mas é
inusitado e revelador que, não tendo os sindicatos aceitado o ultimato, o
Governo declare punir os professores com a eternização (ilegal) da não contagem
do tempo de serviço para as carreiras. A não ser um arroubo do ministro, esta
resposta agressiva só poderia estar definida pelo Governo antes da reunião. Se
assim for, é simplesmente uma provocação.
Duas seriam dificilmente coincidência. Três é
intenção. Em tão pouco tempo depois do congresso, o Governo fechou a porta a
medidas de reposição da contratação coletiva, adiou a discussão da saúde e
exigiu aos sindicatos das professoras e professores que façam greve (e ainda
acrescentou a autorização para um furo de petróleo em Aljezur sem estudo de
impacto ambiental). O Governo quer um verão e um outono em conflito social,
porque acha que essa é uma estratégia que rende votos. Esta escolha merece
atenção. Agora é que começou a campanha eleitoral de 2019 e foi o Conselho de
Ministros quem deu o tiro de partida – e com muita pólvora.
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