terça-feira, 5 de junho de 2018

HÁ QUE DESCONFIAR DO PS


Nenhuma pessoa de esquerda tenha a mais pequena ilusão de que o PS aceitou a actual solução governativa apenas por oportunismo político e nunca esteve de alma e coração com ela. Tinha de ser assim porque em 2015 PSD e CDS eram uma péssima companhia para formar um governo, depois de todas as malfeitorias que levaram a cabo contra a população portuguesa.
O estado de alma dominante no actual PS tem vindo a revelar-se nos últimos tempos não é muito diferente daquele que sempre se sentiu mais confortável ao lado da direita enquanto desconfiava dos partidos à sua esquerda. E, de forma inexorável, essa realidade está a vir outra vez ao de cima, como bem percebemos com o modo intransigente com que está a lidar com o Bloco e o PCP, que deram suporte à actual fórmula governativa, para que fosse travada a continuação do empobrecimento da esmagadora maioria da população portuguesa.
Assim, acreditamos que “as crises e crispações” que o PS está a provocar de forma deliberada, constituem uma estratégia a que devemos prestar toda a atenção, pela meticulosidade com que “está a ser seguida”, como muito bem afirma Francisco Louçã na excelente crónica que assina no “Expresso Diário” de hoje.
Se me pergunta se o Governo está a provocar crises e crispações, a resposta é sim. Está, sabe o que faz e é mesmo isso que quer. É uma estratégia e está a ser seguida meticulosamente.
Começou no congresso do PS, que foi o que foi: a festa de um partido que sonha com a maioria absoluta, um príncipe a promover o recentramento político com o ousado elogio da saudosa terceira via e o líder a prometer um programa para o regresso dos jovens emigrados, tudo inaugurado com um bandeirante espetáculo a La Feria e servido com especulações sobre as linhagens da sucessão longínqua. Acha pouco? O congresso gostou.
Nuno Melo, com a indiscreta elegância de um pterodáctilo, foi lá apedrejar o que chamou de Disneylândia. Não percebeu o que se passou, não descortinou como o PS ocupa o centro e vence em todos os critérios que a direita definiu para si própria, a começar pelo défice, que era o santo dos santos. Assim, se alguma coisa sai do congresso, é confiança. Tanta confiança que o congresso ignorou o irritante, como agora se diz, de o Governo depender de acordos com outros partidos. Mas houve algo mais que mudou depois de um congresso cuja novidade foi mesmo não olhar para trás nem para o lado.
Primeiro, num ápice o Governo arrumou a negociação com as entidades patronais (e a UGT, o hábito faz o monge) sobre o Código do Trabalho. Os negociadores ficaram contentes e Saraiva mais do que todos: sabe que as medidas para limitar o trabalho temporário são contornáveis e que a taxa sobre a rotatividade é letra morta, e sabe que a extensão do período experimental cria uma nova forma de contrato sem contrato, ou que a votação de banco de horas em pequenas empresas é para ser ganha pelo patrão. Sabe também o sinal político que é dado. Se o Código Laboral era um dossiê tão essencial para a esquerda e o Governo negociou diligentemente com o patronato, mas esqueceu-se de sequer informar em tempo útil os seus parceiros de alguns dos detalhes das suas propostas, e não dos menos importantes, o recado fica dado.
Segundo, estando o Governo a acompanhar o trabalho de António Arnaut e João Semedo para uma nova Lei de Bases da Saúde, resolveu opor-lhes uma comissão, chefiada por Maria de Belém, com um mandato prolongado e resultados previsíveis. Se o Governo recusou encurtar esse tempo, foi porque preferiu tornar inviável um trabalho de preparação de um projeto de Lei que represente uma convergência maioritária na defesa consistente do SNS. Aliás, Mariana Vieira da Silva deu o assunto por encerrado numa entrevista recente. Vão duas.
Terceiro, temos a reunião de ontem do Ministério da Educação com os sindicatos dos professores. Percebo que o Governo negoceie a partir da sua proposta de que, do tempo de congelamento, só contem para a progressão das carreiras os seus dois anos, nove meses e dezoito dias em vez dos nove anos, quatro meses e dois dias que ficaram devidos. O Ministério das Finanças é quem mais ordena. Mas é inusitado e revelador que, não tendo os sindicatos aceitado o ultimato, o Governo declare punir os professores com a eternização (ilegal) da não contagem do tempo de serviço para as carreiras. A não ser um arroubo do ministro, esta resposta agressiva só poderia estar definida pelo Governo antes da reunião. Se assim for, é simplesmente uma provocação.
Duas seriam dificilmente coincidência. Três é intenção. Em tão pouco tempo depois do congresso, o Governo fechou a porta a medidas de reposição da contratação coletiva, adiou a discussão da saúde e exigiu aos sindicatos das professoras e professores que façam greve (e ainda acrescentou a autorização para um furo de petróleo em Aljezur sem estudo de impacto ambiental). O Governo quer um verão e um outono em conflito social, porque acha que essa é uma estratégia que rende votos. Esta escolha merece atenção. Agora é que começou a campanha eleitoral de 2019 e foi o Conselho de Ministros quem deu o tiro de partida – e com muita pólvora.

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