A
toda a hora surgem evidentes exemplos de que a crueldade humana se mantém intacta
desde tempo imemoriais apenas diferindo na forma como é aplicada ainda que uma
imensa panóplia de leis tenda a limitá-la quer a nível de cada país quer no âmbito
internacional. O que continua evidente é que a lei do mais forte continua a dominar a favor dos interesses de
alguns (poucos) e em detrimento da esmagadora maioria. Os exemplos não faltam e
são esmagadoramente provenientes da (ainda) maior potência mundial já que é de
lá que se define o que é bem e mal conforme se trate de aliados ou inimigos dos
EUA.
O
recente enjaulamento de crianças filhas de migrantes que pretendiam entrar nos
Estados Unidos é a mais recente barbaridade com origem naquele país e que
Domingos Lopes refere no seguinte artigo de opinião que transcrevemos do “Público”
de hoje.
Em 1772 a.C., o rei babilónio Hamurabi, do alto do seu
poder, mandou publicar o primeiro Código que ficou para sempre com o seu nome.
Por toda a Babilónia, em escrita cuneiforme, acádio, se expôs para uma ínfima
minoria que sabia ler o Código.
De visita ao Museu de Pergamo, em Berlim, na famosa
Avenida Unter den Linden, lá está a olhar para nós a pedra negra contendo o
Código. E não é sem emoção que se olha para aquela pedra e se imagina o longo
percurso do inveterado caminhante que é o homem desde então até hoje.
Os habitantes do reino da Babilónia passaram a ter
algo escrito, mesmo os que não tinham olhos que lessem. Poderia haver quem
lesse por eles.
Nesse Código, os princípios dominantes eram os da
chamada lei de Talião, olho por olho, dente por dente. Quem, em matéria
criminal, cometesse um certo crime, ser-lhe-ia aplicada sanção idêntica à do
crime praticado. Se um criminoso cegava um cidadão, a pena era ser cego. Se
assassinava, era morto.
Apesar da barbaridade de tais princípios, o simples
facto de se apresentarem as normas compiladas era um avanço, pois dava aos mais
fracos a possibilidade de invocarem a lei. A nesga de esperança era maior num
quadro de brutal arbítrio dos mais fortes.
Mais bárbaro (tendo em conta os 3790 anos passados)
que a natureza daquele Código é o modo como alguns dirigentes mundiais encaram
o mundo e as relações internacionais.
A guerra do Iraque levada a cabo por George W. Bush
constitui a exata aplicação da lei de Talião com a agravante de se basear numa
mentira espalhada no mundo. Quase quatro mil anos depois de Hamurabi, é de novo
a sua filosofia a dominar na maior potência mundial.
Como a Carta das Nações Unidas proíbe a guerra, Bush
procurou o velho Código de Hamurabi. Subverter as leis de que os próprios EUA
foram legisladores com o seu apoio para voltarmos à lei do mais forte.
Quando, recentemente, Trump, o dono da Casa Branca,
decidiu, alegadamente em retaliação por atentados do Daesh, lançar no
martirizado Afeganistão a mãe de todas as bombas, voltámos ao mais elementar
princípio de Talião, em pleno século XXI. E no anúncio de tal façanha constava
a capacidade de Trump voltar à carga com poder mais destrutivo...
Com Trump a lei de Talião vai muito para além de olho
por olho, dente por dente. A lei, anunciada com toda a pompa, que permitiu o
enjaulamento de crianças trazidas pelos seus pais, atinge menores que nada têm
a ver com a ação dos progenitores, os autores do ilícito. Para tanto, alguns
dignitários da Administração Trump invocaram a Bíblia para justificar semelhante
proeza. É a suprema crueldade enjaular crianças por causa de atitudes dos
progenitores e invocar o nome de Deus em vão. Nem Hamurabi.
Só o clamor mundial que assomou proporções gigantescas
fez recuar o negociante que tomou conta da Casa Branca e quer aprisionar o
mundo para os seus amigos proclamarem America first...
De Hamurabi a Trump vão três mil
setecentos e noventa anos. O que a Humanidade passou para chegarmos à Carta das
Nações Unidas e aos direitos dos seres humanos... Quantas guerras, quantos sofrimentos
e quantas alegrias... Afinal, na curva da estrada estava Trump a lembrar que o
passado está sempre presente.
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