Por
aquilo que actualmente se observa por todo o mundo, somos levados a acreditar
que o dinheiro vale mais que as pessoas.
Em
diversas partes do nosso planeta, a começar pelo país auto-intitulado campeão
da defesa dos direitos humanos e da democracia, os EUA, passando pelo Velho Continente,
com as suas democracias supostamente super-consolidadas e por Israel, a proclamada
“única democracia do Médio Oriente”, somos levados a constatar a onda de ódio que
por aí circula. Também se verifica com toda a facilidade que, por todo o mundo,
há um ponto comum nos alvos deste ódio: todos são pobres quer se trate de imigrantes
latino-americanos, refugiados que fogem das guerras ateadas pelas potências ocidentais
no Médio Oriente ou palestinianos vítimas de genocídio na sua própria terra,
para só mencionarmos os exemplos mais conhecidos.
Por
outro lado, também é do conhecimento geral que muito do dinheiro que circula
pelo mundo, com toda a fluidez, é proveniente da corrupção, de negócios ilícitos,
de fuga aos impostos, de tráfico de armas e de droga, enfim, manchado de
sangue. Mas que se saiba, onde esse dinheiro chega é quase sempre recebido de
braços abertos, sem se querer saber a sua origem como, por exemplo, o que tem
sucedido em Portugal com os vistos gold…
Percebemos
assim que o jornalista Amílcar Correia conclua o editorial do “Público” de hoje
com a afirmação segundo a qual “dinheiro pode ser clandestino; os humanos não”.
Pelo nosso lado faríamos uma pequena precisão: “humanos pobres”.
Associar imigração, delinquência e terrorismo é uma
falácia que o populismo nacionalista dos dois lados do Atlântico utiliza
cinicamente para subir nas sondagens e ganhar eleições. Não interessa que a
combinação seja simplesmente mentirosa, como fez Donald Trump, ao proclamar que
a delinquência na Alemanha subiu com a entrada de refugiados no país, quando a
verdade é substancialmente oposta: a criminalidade desceu cinco por cento (para
o nível mais baixo desde 1992). Não interessa sequer que os crimes cometidos
por imigrantes tenham descido 23%. Vale tudo quando o objectivo é a demonização
dos imigrantes; quando o alvo é o outro. Não interessa que os principais actos
terroristas nos EUA tenham sido praticados por cidadãos de países muçulmanos
excluídos da lista de
impedidos a entrar nos EUA.
A deriva xenófoba da extrema-direita europeia no poder
utiliza o imigrante politicamente de forma desonesta para conquistar e
manipular eleitorado, recorrendo a uma retórica desprezível, seja a Liga de
Salvini no novo Governo italiano, seja a CSU para travar a escalada
da AfD na Baviera ou Os Republicanos franceses para competir com a Frente
Nacional rebaptizada. “Ontem os refugiados, hoje os ciganos” [que a Itália quer
recensear, para expulsar quem está “em situação irregular”], amanhã a
legalização das armas”, dizia ironicamente o ex-primeiro-ministro italiano
Paolo Gentiloni, mas a lista pode expandir-se sem grande originalidade. A
lógica é simplesmente assustadora e assustadoramente simples: é a retórica do
quanto pior, melhor. Uma Europa que não é capaz de se pôr de acordo em matéria
de asilo, o chamado regulamento de Dublin, não é capaz de se pôr de acordo
quanto ao respeito pela vida humana.
Os
globalizadores de ontem são os nacionalistas de hoje: sonham com muros bonitos
e grandes por todo o lado, fronteiras bem fechadas, homogeneidade ética e
aquilo a que chamam centros de acolhimento, bem longe das suas fronteiras. Os
globalizadores de ontem fazem do antigo estratega da administração Trump, Steve
Bannon, um ideólogo e acreditam que chegou o momento de lançar um movimento
internacional nacionalista com o objectivo de “devolver o poder às pessoas numa
revolta popular”. A quem?
Só
o dinheiro poderá continuar a circular por onde muito bem entender. O dinheiro
pode ser clandestino; os humanos não. O paraíso na terra só pode ser um
offshore.
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