domingo, 24 de junho de 2018

O DINHEIRO VALE MAIS QUE AS PESSOAS?


Por aquilo que actualmente se observa por todo o mundo, somos levados a acreditar que o dinheiro vale mais que as pessoas.
Em diversas partes do nosso planeta, a começar pelo país auto-intitulado campeão da defesa dos direitos humanos e da democracia, os EUA, passando pelo Velho Continente, com as suas democracias supostamente super-consolidadas e por Israel, a proclamada “única democracia do Médio Oriente”, somos levados a constatar a onda de ódio que por aí circula. Também se verifica com toda a facilidade que, por todo o mundo, há um ponto comum nos alvos deste ódio: todos são pobres quer se trate de imigrantes latino-americanos, refugiados que fogem das guerras ateadas pelas potências ocidentais no Médio Oriente ou palestinianos vítimas de genocídio na sua própria terra, para só mencionarmos os exemplos mais conhecidos.
Por outro lado, também é do conhecimento geral que muito do dinheiro que circula pelo mundo, com toda a fluidez, é proveniente da corrupção, de negócios ilícitos, de fuga aos impostos, de tráfico de armas e de droga, enfim, manchado de sangue. Mas que se saiba, onde esse dinheiro chega é quase sempre recebido de braços abertos, sem se querer saber a sua origem como, por exemplo, o que tem sucedido em Portugal com os vistos gold…
Percebemos assim que o jornalista Amílcar Correia conclua o editorial do “Público” de hoje com a afirmação segundo a qual “dinheiro pode ser clandestino; os humanos não”. Pelo nosso lado faríamos uma pequena precisão: “humanos pobres”.
Associar imigração, delinquência e terrorismo é uma falácia que o populismo nacionalista dos dois lados do Atlântico utiliza cinicamente para subir nas sondagens e ganhar eleições. Não interessa que a combinação seja simplesmente mentirosa, como fez Donald Trump, ao proclamar que a delinquência na Alemanha subiu com a entrada de refugiados no país, quando a verdade é substancialmente oposta: a criminalidade desceu cinco por cento (para o nível mais baixo desde 1992). Não interessa sequer que os crimes cometidos por imigrantes tenham descido 23%. Vale tudo quando o objectivo é a demonização dos imigrantes; quando o alvo é o outro. Não interessa que os principais actos terroristas nos EUA tenham sido praticados por cidadãos de países muçulmanos excluídos da lista de impedidos a entrar nos EUA.
A deriva xenófoba da extrema-direita europeia no poder utiliza o imigrante politicamente de forma desonesta para conquistar e manipular eleitorado, recorrendo a uma retórica desprezível, seja a Liga de Salvini no novo Governo italiano, seja a CSU para travar a escalada da AfD na Baviera ou Os Republicanos franceses para competir com a Frente Nacional rebaptizada. “Ontem os refugiados, hoje os ciganos” [que a Itália quer recensear, para expulsar quem está “em situação irregular”], amanhã a legalização das armas”, dizia ironicamente o ex-primeiro-ministro italiano Paolo Gentiloni, mas a lista pode expandir-se sem grande originalidade. A lógica é simplesmente assustadora e assustadoramente simples: é a retórica do quanto pior, melhor. Uma Europa que não é capaz de se pôr de acordo em matéria de asilo, o chamado regulamento de Dublin, não é capaz de se pôr de acordo quanto ao respeito pela vida humana.
Os globalizadores de ontem são os nacionalistas de hoje: sonham com muros bonitos e grandes por todo o lado, fronteiras bem fechadas, homogeneidade ética e aquilo a que chamam centros de acolhimento, bem longe das suas fronteiras. Os globalizadores de ontem fazem do antigo estratega da administração Trump, Steve Bannon, um ideólogo e acreditam que chegou o momento de lançar um movimento internacional nacionalista com o objectivo de “devolver o poder às pessoas numa revolta popular”. A quem?
Só o dinheiro poderá continuar a circular por onde muito bem entender. O dinheiro pode ser clandestino; os humanos não. O paraíso na terra só pode ser um offshore.

Sem comentários:

Enviar um comentário