A Forbs acaba de divulgar a lista das
maiores fortunas do mundo e, ao mesmo tempo que se verifica um significativo
aumento do número de bilionários, sintoma de uma maior concentração da riqueza
a par de do empobrecimento de mais vastas camadas das populações, também se
confirma a permanência nesse grupo de Américo Amorim, Belmiro de Azevedo e
Soares dos Santos. São figuras que, desde há anos, têm lugar marcado neste
grupo. Mas a parte significativa é que, num momento em que se assiste a um
empobrecimento generalizado da população portuguesa, mercê da austeridade
criminosa a que estamos submetidos, tanto Amorim como Belmiro treparam claramente
no ranking dos portugueses mais ricos enquanto Soares dos Santos, embora
perdendo uns trocos, permaneceu no mesmo lugar da tabela (2º).
Como nada acontece por acaso, o insuspeito
Correio da Manhã noticiava hoje que nos dois primeiros meses deste anos disparou a venda de automóveis topo de gama – só Ferraris forem três – o que quer dizer
que há por aí muito dinheiro nas mãos de muito poucos.
Estamos perante dois exemplos que
confirmam a expressão de Luís Montenegro segundo a qual a vida das pessoas
piora “mas a vida do país está muito melhor” sendo que, como muito bem comenta
hoje no Público José Vitor Malheiros, o
“país” de que fala Luís Montenegro é, simplesmente, o capital. É um texto
que dá gosto ler e reler.
"A vida das pessoas não
está melhor, mas a vida do país está muito melhor." A frase, de Luís
Montenegro, o risonho líder parlamentar do PSD, merece entrada em qualquer
colectânea de citações políticas e mesmo nos manuais de história contemporânea.
Não pela profundidade do pensamento, como nos melhores casos, mas pela clareza
da ideia que expõe, que no caso vertente resulta de uma mistura de simplicidade
e de desfaçatez.
A primeira parte da tirada
("A vida das pessoas não está melhor”) não levanta dúvidas a ninguém e
merece a concordância de todos. Há menos emprego que quando este Governo tomou
posse, há mais desemprego, há mais desempregados sem apoios sociais, há mais
pobreza, há mais sem-abrigo, há mais fome, há mais desespero, há mais jovens sem
dinheiro para estudar, há mais portugueses a emigrar por falta de perspectivas,
há mais jovens qualificados a emigrar, há mais medo, há menos liberdade, há
menos apoios sociais, há menos acesso à saúde, há menos formação, há menos
escolas, há menos serviços no interior, há maior conflitualidade, há menos
confiança nas pessoas e nas instituições, etc. A lista exaustiva é impossível
de tão longa e, por trás de cada estatística, escondem-se milhares de tragédias
pessoais, de histórias que não deviam existir num país desenvolvido no século
XXI.
O que é de mais difícil
compreensão é aquele “a vida do país está muito melhor". É difícil porque
é preciso um enorme esforço conceptual para separar este “país” que está “muito
melhor” das “pessoas” que “não estão melhor”.
Que país é este de que fala
Montenegro? Que entidade é esta que está tão longe e tão separada das pessoas
que é possível que uma esteja muito melhor e as outras muito pior?
Existem muitas definições de
estado (suponho que é do estado que fala Montenegro) mas praticamente todas
elas consideram uma comunidade organizada politicamente, com um governo e um
território. Que país é então este que está bem quando as suas pessoas estão
mal? Que componente do país é que está melhor? Será que Montenegro fala do território?
Não parece ser. Referir-se-á Luís Montenegro ao Governo? Será o Governo a parte
do país que está “muito melhor”? É inegável que o executivo ganhou um novo
vigor e que conseguiu construir um discurso positivo em torno da ideia de “fim
do programa de ajustamento” que, por vácuo que seja, parece ter convencido
alguns incautos e paralisado ainda mais o PS. Mas mesmo Luís Montenegro sabe
que seria excessivo identificar Governo e país. Este país que está “muito
melhor” parece ser algo mais amplo que a comissão liquidatária a que chamamos
governo.
Mas então que país é este que
está “muito melhor” e que não são as pessoas?
É simples: o “país” de que
fala Luís Montenegro não é o nosso país. O “país” de que fala Luís Montenegro
não é Portugal. O “país” de que fala Luís Montenegro é, simplesmente, o
capital.
O que Luís Montenegro quis
dizer foi que "A vida dos trabalhadores não está melhor, mas a vida do
capital está muito melhor". Basta substituir estas poucas palavras para
tudo bater certo. A vida dos dirigentes do PSD está muito melhor (basta ver
como se congratulavam todos no último congresso). A vida dos dirigentes do CDS
está muito melhor. A vida dos banqueiros está muito melhor. A vida dos grandes
empresários está muito melhor. A vida dos multimilionários está muito melhor. A
vida dos advogados que trabalham para o capital está muito melhor. A vida dos
empresários que baixam salários e despedem trabalhadores com o pretexto da
crise está muito melhor. A vida dos empresários sem escrúpulos está muito melhor.
A vida dos empresários que vivem à conta das PPP está muito melhor. A vida dos
corruptos que nunca são condenados está muito melhor. A vida dos que têm as
empresas registadas na Holanda e o dinheiro nas ilhas Caimão está muito melhor.
A vida dos empresários da saúde que vêem as suas clínicas aumentar a facturação
à custa da destruição do Serviço Nacional de Saúde está muito melhor. A vida
dos empresários da educação que vêem as suas escolas aumentar a facturação à
custa da destruição da escola pública e dos subsídios do estado está muito
melhor. E depois, à volta destes, há um segundo anel de empresários de serviços
de luxo, de serviços “diferenciados” e “exclusivos”, que servem os primeiros,
cuja vida está também muito melhor.
O que Luís
Montenegro quis dizer foi que "A vida do povo não está melhor, mas a vida
da oligarquia que manda no país está muito melhor". Foi por isso que se
congratulou. Porque ele faz parte dela. Que isso constitua uma traição às
promessas do PSD, à social-democracia que voltou a ter direito de menção no
último congresso, ao interesse nacional, ao povo que o elegeu é algo que não
preocupa Montenegro ou o PSD. Como diz com honestidade o multimilionário Warren
Buffett, “há de facto uma luta de classes e a minha classe está a ganhar”. A
diferença é que Buffett tem uma certa vergonha. E Montenegro não tem vergonha
nenhuma.
Sem comentários:
Enviar um comentário