Invariavelmente os processos relativos a
gente muito poderosa acabam em nada ou seja, os prevaricadores conseguem sempre
escapar-se por algum alçapão ou janela existente na legislação. Os portugueses sabem
que esta é a regra (?) e até já se habituaram a lidar com ela, o que é muito
mau pois a impunidade dos chamados crimes de colarinho branco começa a ser observada
com indiferença.
Um dos últimos casos conhecidos, que tem
a ver com o banqueiro Jardim Gonçalves, é abordado hoje no Público (edição impressa)
pelo sociólogo Boaventura Sousa Santos, num longo artigo com muitos termos
jurídicos mas onde a parte que parece mais significativa e interessante para o cidadão
comum é aquela que contém o seguinte excerto:
A dupla impunidade de Jardim de Gonçalves (não há condenação e
não há devolução de dinheiro ilicitamente obtido) deveria cobrir de vergonha
todas as instituições envolvidas e levá-las a pedir desculpa aos cidadãos e
cidadãs deste país a quem o Estado considera ricos por terem rendimentos
mensais pouco superiores ao salário mínimo e a quem corta pensões e salários
magros, subsídios de transporte para tratamentos contra o cancro, abonos de
família, rendimento de reinserção, apoio na educação especial. Em vez das
desculpas, assistimos ao habitual espetáculo de transferência de culpas: o BdP
diz que a culpa é do tribunal, que julgou mal o caso e que depois demorou muito
tempo a retomar o julgamento; o Conselho Superior da Magistratura (CSM) diz que
a culpa foi do BdP, que demorou muito tempo a investigar; a Associação Sindical
dos Juízes diz que a culpa é do legislado,r que deveria prever prazos mais
longos de prescrição; o principal partido da oposição chama o CSM ao Parlamento
porque quer averiguar a culpa; e o Governo está perplexo, pois a ministra da
Justiça já declarou, por várias vezes, que com ela tinha terminado a impunidade
dos poderosos e há poucos dias anunciou triunfantemente o cumprimento de todas
as reformas da troika.
A gravidade para o país dos atos de Jardim Gonçalves e outros
exige que as instituições envolvidas na investigação e julgamento, bem como os
poderes judicial e político, deem por terminado o pingue-pongue da culpa e
atuem com alta responsabilidade democrática. Essa ação deve ter dois momentos.
No imediato, exige uma união de esforços no sentido de precaver a prescrição em
outros processos, o que obriga a um levantamento exaustivo de todos os casos em
que tal possa ocorrer, destacando-se, se necessário, equipas para o efeito e a
um reforço de meios. A curto e médio prazo deve fazer-se uma profunda reflexão
sobre as razões do arrastamento dos casos de grande criminalidade económica que
levam à prescrição, a absolvições ou a fracas condenações, apesar da convicção
do tribunal da culpabilidade dos arguidos. E, acima de tudo, tornar essa
reflexão verdadeiramente consequente.
Afinal de contas, o fim da
impunidade dos poderosos que a ministra da Justiça prometeu aos portugueses
ficou, tudo o indica, mais uma vez adiada. Compreende-se…
Sem comentários:
Enviar um comentário