Num
momento em que “os mercados financeiros portugueses estão na mão de uma obscura
agência de rating canadiana” tem todo
o interesse tomarmos conhecimento do que um reputado economista internacional,
professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica, Paul De Grauwe pensa acerca
do actual poder que gozam as denominadas agências de notação financeira. Convém
deixar bem registado que Paul De Grauwe não goza de qualquer estatuto de
esquerdista radical, pelo que as suas palavras devem ser registadas como partindo
de alguém com uma opinião independente.
A
linguagem utilizada no texto seguinte, que transcrevemos do Expresso Economia
do passado sábado (22/10/2014), está quase limpa de termos técnicos, de modo
que é acessível a qualquer pessoa menos versada na área de economia. A opinião
de Paul De Grauwe, claramente crítica do excessivo poder que gozam as agências
de rating, atribuído pelo Banco Central Europeu (BCE), numa clara decisão
política, não deixa qualquer dúvida de que o BCE “entregou a terceiros a
decisão crucial de decidir quais os países a quem pode comprar obrigações”.
Entretanto,
a actualização do rating da dívida
soberana portuguesa a que se refere De Grauwe já teve lugar e, de novo,
favorável a Portugal.
Os
mercados financeiros portugueses estão na mão de uma obscura agência de rating canadiana, a Dominion Bond Rating
Service (DBRS). À data em que publicamos esta coluna, a DBRS já deve ter
atualizado o rating da dívida
soberana portuguesa. Um downgrade significaria
que as taxas de juro da dívida subiriam ainda mais, prejudicando gravemente a
economia lusa. Recentes declarações do economista-chefe da DBRS já levaram a
aumentos significativos nas obrigações a 10 anos.
Como
é que uma agência tão pequena tem tanta influência? Decerto que não é pela
força da sua análise. Verifiquei alguns dos relatórios da DBRS relativos a
outros países da zona euro. São exercícios de corta e cola de relatórios
oficiais existentes, do FMI, da Comissão Europeia e da OCDE. Os meus alunos da
Escola de Economia de Londres poderiam facilmente produzir relatórios
semelhantes, com a mesma qualidade, ou falta dela, mesmo sem visitar Portugal.
A
DBRS e outras agências de rating têm
tanto poder porque esse mesmo poder lhes é dado pelo Banco Central Europeu. O
BCE decidiu que no contexto do seu programa de quantitative easing só compraria
dívida de países com um rating
mínimo. Esses ratings, porém, são
elaborados por agências privadas de notação financeira como a DBRS (e outras
como a Standard & Poor´s, a Moody’s e a Fitch). Por outras palavras, o BCE
delega nestas agências de rating o
poder de decidir que dívida deve comprar. Ao fazê-lo, o BCE dá um tremendo
poder a indivíduos obscuros nestas agências privadas.
A
decisão de parar de comprar dívida soberana de um determinado país é de grande importância.
Afeta a credibilidade do Governo e o custo das obrigações emitidas. Pode levar
a uma crise autoalimentada, na qual a perda de confiança leva os investidores a
vender a dívida que detêm aumentando os juros e precipitando uma crise de
liquidez. É completamente inaceitável que o BCE coloque nas mãos de agências de
reting esta decisão, abdicando,
assim, da sua responsabilidade de manter a estabilidade financeira.
Será
que as agências de notação financeira merecem este enorme poder que o BCE lhes
entrega? A resposta é um rotundo não. As agências de rating falharam miseravelmente no passado; fizeram-no quando não viram
aproximar-se a crise de 2007-08. São, ainda, objeto de grandes conflitos de
interesses – ninguém as responsabiliza pelas suas ações –, se erram no rating, o que acontece demasiadas vezes,
não sofrem as consequências. Outros sofrem.
Depois
da crise financeira, houve consenso generalizado de que as agências de rating tinham demasiado poder e que era,
uma fonte de instabilidade financeira nos mercados financeiros mundiais. Tornou-se
consensual que o poder destas agências de notação devia ser reduzido. Ora, o
BCE fez exatamente o contrário. Ao seguir cegamente as decisões de rating das agências, o BCE aumenta o seu
poder.
A
solução consiste em recuperar o poder para si mesmo. Isto pode ser feito
facilmente. O BCE devia proceder à sua própria análise de risco das obrigações
dos países membros, pois, tem um grande número de economistas altamente
qualificados com melhor conhecimento dos países da zona euro do que os
economistas de corta e cola empregados pelas agências de rating.
Precisa, porém, de alguma
coragem para o fazer. A razão pela qual o BCE entregou a terceiros a decisão
crucial de decidir quais os países a quem pode comprar obrigações é meramente
política. O BCE tem medo de que qualquer decisão, baseada nas suas próprias análises,
de não adquirir dívida de um determinado país conduza a críticas abertas dos
políticos da zona euro. Esta é uma boa razão para deixar que indivíduos não escrutinados,
empregados de agências de notação canadianas e americanas, tomem uma decisão
que pode destabilizar países.
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