O
texto que apresentamos a seguir é uma transcrição do artigo de opinião que José
Vítor Malheiros (JVM) assina no Público de hoje. O tema em análise é, no fundo,
aquilo que na gíria designamos por justiça fiscal.
Particularmente
no que diz respeito a Portugal, constatamos com facilidade que existe muito
mais gente do que poderíamos imaginar, a pensar como o candidato presidencial
norte-americano, Donald Trump, segundo o qual fugir ao fisco é sinal de
esperteza e apenas os parvos pagam impostos. Acrescentamos nós que no que diz
respeito ao nosso país não são só os parvos que cumprem as suas obrigações
fiscais mas ainda os que trabalham por conta de outrem ou os titulares de
pequenos rendimentos. Dito de outra forma, são os pobres e a classe média.
O
mais tristemente espantoso no que diz respeito aos defensores da não taxação
dos muito ricos é que eles próprios são, na maior parte dos casos, penalizados
por essa injusta situação. É tão simples como isto: se os titulares de grandes
fortunas forem taxados com justiça, os restantes cidadãos contribuintes,
nomeadamente os titulares dos rendimentos do trabalho verão os seus impostos
baixar.
1. Há quem defenda que, em
Portugal, não vale a pena tentar taxar os ricos porque há muito que os ricos
portugueses tiraram toda a sua fortuna do país.
A
expressão usada costuma ser “os que têm dinheiro já o puseram a bom recato” e é
dita em geral não só em tom compreensivo mas com uma indisfarçável admiração
pela habilidade demonstrada. Quanto ao “bom recato” é, evidentemente, um sítio
onde o fisco não consiga chegar, um paraíso fiscal. A expressão revela uma
ideia do fisco como uma entidade usurpadora, a par de um total alheamento do
que seja a noção de bem público e um quadro conceptual onde os ricos possuem,
talvez por direito divino, o privilégio de beneficiar do trabalho dos outros e
dos serviços públicos pagos exclusivamente pelo dinheiro dos trabalhadores. É a
posição dos que, no fundo, pensam, como Donald Trump, que os impostos são para
os parvos e que fugir ao fisco é sinal de esperteza.
O
mais espantoso é que, quem ouve, assente muitas vezes com compreensão,
esquecendo que essa colocação do dinheiro a “bom recato” é muitas vezes um
crime e quase sempre uma imoralidade, que obriga os que não fogem ao fisco a
suportar um esforço fiscal desproporcionado, pagando as estradas onde circulam
os ricos.
O
pensamento desses críticos da taxação dos ricos é que, se se taxarem os ricos
eles fogem com os seus capitais e, sendo assim, é melhor deixá-los em paz sem
os incomodar com o fisco, já que o resultado será o mesmo. Mas, mesmo que fosse
assim (e não é) haveria a considerar a pequena questão da justiça fiscal. De
facto, a política fiscal não serve apenas para financiar o Estado e deve ter
uma função redistributiva, de forma a contrariar a acumulação crescente de toda
a riqueza num número cada vez mais reduzido de mãos e a permitir que os mais
desfavorecidos à partida possam ter a possibilidade de melhorar as suas
condições de vida, nomeadamente através do sistema público de educação.
Como
diz um dos homens mais ricos do mundo, o americano Warren Buffett, não suspeito
de bolchevismo, o mercado pode ser “o melhor mecanismo para garantir que os
recursos são usados da forma mais eficiente e produtiva (...) mas não é muito
bom a garantir que a riqueza produzida é distribuída de forma justa ou
sensata”. Porquê? Porque a riqueza passa de pais para filhos e acaba nas mãos
de pessoas que não contribuíram de forma alguma para a produzir nem mostraram
possuir, mesmo segundo o pensamento neoliberal, qualquer mérito que deva ser
premiado. Para regressar às palavras de Warren Buffett, o que fazemos quando
deixamos de taxar o património dos mais ricos de forma mais pesada, é como se
“seleccionássemos para os Jogos Olímpicos de 2020 os filhos dos atletas que
foram seleccionados nos Jogos Olímpicos de 2000”.
2.
A propósito da taxação dos patrimónios imóveis mais valiosos, anunciada para o
orçamento de 2017, ouvimos muitas das críticas referidas acima e, de uma forma
geral, propagandear a ideia de que “a esquerda está contra os ricos”. De facto,
haveria muitas boas razões para estar contra “os ricos”. A História não é avara
em exemplos. Mas, pessoalmente, situado como estou na grande área política das
esquerdas, onde confluem muitas ideias e muitas tradições diferentes, não me
sinto especialmente contra os ricos. Se há uma coisa que acho admirável é
correr o risco de investir, de criar uma empresa, criar emprego e produzir
coisas úteis. E acho da mais elementar justiça que uma pessoa dessas enriqueça,
desde que pague os seus impostos, respeite as leis e trate os trabalhadores de
forma digna. O que acontece e é lamentável é que os ricos que merecem o nosso
respeito são escassos. O que merece o meu antagonismo declarado são aquelas pessoas
que enriquecem de forma incompreensível e que, para mais, se recusam a fazer a
sua quota-parte na sociedade. Ou aquelas que, em vez de pagar impostos em
Portugal, registam as suas empresas na Holanda ou no Luxemburgo para pagar
menos e decidem pôr o seu dinheiro ”a bom recato” para que sejam apenas os que
têm menos dinheiro a pagar as escolas e os hospitais.
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