O
cancelamento de contratos de concessão de prospecção e exploração de petróleo e
gás que recentemente teve lugar é uma primeira e pequena vitória de todos
aqueles que vêm lutando contra a exploração de combustíveis fósseis em Portugal.
Esta pequena vitória deve alertar-nos para: 1) a importância que têm as lutas
por objectivos nobres; 2) a necessidade de não embandeirarmos demasiado os
resultados obtidos até agora; 3) termos presente que os principais objectivos
ainda não foram atingidos e, por isso, necessitamos uma ainda mais forte mobilização
da opinião pública pois estamos numa luta contra interesses poderosíssimos que
não vão olhar a meios para atingir os seus nefastos fins.
A
utilização de combustíveis fósseis é o passado que vem destruindo de forma
acelerada o clima na Terra, enquanto as energias renováveis – quase inesgotáveis
– , em que devemos apostar, são o futuro e a garantia da manutenção da vida no
nosso planeta.
Transcrevemos
a seguir mais um excelente artigo de opinião do Eng. do Ambiente, João Camargo,
precisamente com base na recente “notícia do cancelamento de contratos de
concessão de prospecção e produção de gás e petróleo”. Será mais um pequeno
contributo da nossa parte na defesa do ambiente em Portugal.
A notícia do
cancelamento de contratos de concessão de prospecção e produção de gás e
petróleo no Algarve de duas concessões de Sousa Cintra (Portfuel), Tavira e
Aljezur, e uma concessão no mar da Partex/Repsol, Lagosta, é a
primeira vitória sólida do movimento contra a exploração de combustíveis
fósseis em Portugal. É um enorme crédito para centenas de pessoas, no Algarve e
um pouco por todo o país, que se mobilizaram intensamente no último ano e meio
contra uma das indústrias mais poderosas da História. É uma vitória obtida dias
após um acordo do cartel da OPEC para
cortar a produção de petróleo e fazer subir o preço que anda em mínimos
históricos há mais de um ano. É também obtida quando Donald Trump escolhe
como seu ministro dos Negócios Estrangeiros o director-executivo da ExxonMobil,
a maior petrolífera privada do Mundo, e que responde actualmente em tribunal
por esconder a questão das alterações climáticas desde 1969 e financiar grupos
de negacionistas para evitar a acção política para substituir os combustíveis
fósseis.
Mas é uma vitória incompleta, como têm
perfeita consciência todos os movimentos e pessoas envolvidas no processo.
Incompleta porque faltam ainda rescindir mais três contratos no litoral
algarvio entregues à Repsol/Partex a 4 de Setembro, um mês antes das eleições
legislativas que ditaram o fim do governo PSD-CDS. Porque faltam rescindir,
além dessas, mais nove concessões: duas em terra, na Batalha e em Pombal, e
sete no mar, desde Sagres onde no ano passado a GALP e a italiana ENI ameaçaram
começar a furar, até ao Porto. Incompleta porque é preciso não só garantir o
cancelamento destas concessões como o fim de futuras concessões para prospecção
e exploração de combustíveis fósseis em Portugal.
A base do governo para rescindir estas
três concessões (Aljezur, Tavira, Lagosta) é técnica e foi bem utilizada. Além
de outros problemas, a Portfuel de Sousa Cintra não tinha um Seguro de
Responsabilidade Civil previsto no contrato e a Repsol/Partex não cumpriu o
plano de trabalhos acordado. Mas não pode haver qualquer dúvida sobre a
necessidade de decisões políticas para acabar com a prospecção e exploração de
combustíveis fósseis em Portugal. A lei não equivale à razão e a legalidade não
está necessariamente livre da iniquidade (bem pelo contrário, tantas vezes).
Hoje vivemos uma realidade que choca directamente com leis feitas em outros
tempos e para outros tempos. A concentração de dióxido de carbono na atmosfera
é superior a 400 partes por milhão, inédita nos últimos 800 mil anos, e não
existia há 10, há 20 ou há 30 anos (de quando é a legislação que permitiu estes
contratos catastróficos). O problema das alterações climáticas e a necessidade
de lidar com essa questão agora (não daqui a 10, 20 ou 30 anos) é uma questão
política da maior importância. Acresce o enorme prejuízo que a indústria
petrolífera traria ao nosso país, boicotando a evolução das renováveis e
sectores económicos como a pesca ou o turismo (além do dano provocado à saúde
das populações e ao ambiente local). Será sempre no campo da decisão política
que se ganhará esta disputa sobre o futuro.
Numa espécie de paradoxo, são hoje os
privados os maiores dinamizadores das energias renováveis, tendo em 2015 o
investimento privado em renováveis ultrapassado o somatório do investimento em
grandes barragens, nuclear e combustíveis fósseis. São os governos que, através
de subsídios, isenções fiscais e outros apoios, mantêm a indústria petrolífera.
O nível de apoios públicos às energias fósseis é de 4 para 1 quando comparado
com os apoios às renováveis. A indústria do gás, do petróleo e do carvão vive
da captura dos estados e é difícil vê-lo mais claramente do que nos Estados
Unidos. Portugal tem de dar um passo noutra direcção.
Não há que esperar quaisquer favores das
petrolíferas: elas estão a lutar pelo seu dinheiro. Não irão desistir porque é
a coisa certa a fazer, porque as populações são contra ou porque continuar
significa a destruição do clima. Utilizarão todo o seu arsenal de
desinformação, ameaça e chantagem, chegando tantas vezes directamente aos
governantes, para garantir o seu lucro. Porque estão no negócio de fazer lucro,
não no negócio de fazer energia. Contra isso, populações e movimentos têm de
manter a pressão, de acentuar a pressão política, para decisões políticas, isto
é, decisões com custos e com ganhos, mas que respondam verdadeiramente ao bem
colectivo e aos bens comuns, desde a escala local à escala global. Faltam assim
rescindir mais 12 contratos. Mas o petróleo e o gás ficarão debaixo do solo.
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