sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

PORQUÊ A PREVALÊNCIA DA INSUFICIÊNCIA ALIMENTAR GRAVE EM PORTUGAL?


É tão pouco frequente encontrarmos na nossa comunicação social, em especial na escrita, artigos de opinião sobre a alimentação em Portugal que não quisemos deixar de aproveitar o seguinte texto assinado pela Bastonária da Ordem dos Nutricionistas (*) para divulgarmos alguns dados sobre a (in)segurança alimentar que se verifica em Portugal em pleno século XXI. Desde logo o título Portugal ainda não garante o direito básico à alimentação constitui uma poderosa chamada de atenção para situações tão graves como “a prevalência da insuficiência alimentar grave” em camadas significativas da população. Ainda que o texto não o refira, é óbvio que estas situações só podem ter lugar devido aos salários muito baixos que se praticam no nosso país e aos elevados níveis de pobreza que continuam a persistir. A actualização do Salário Mínimo para 557 euros (em 2017) obtida perante grande resistência das organizações patronais ainda fica muito longe das reais necessidades de uma parte importante dos portugueses que vivem exclusivamente do seu trabalho. Por isso mesmo, a batalha por uma remuneração justa tem de continuar ainda durante muito tempo.
Em pleno século XXI, Portugal ainda apresenta níveis de insegurança alimentar alarmantes. Segundo dados de 2014 resultantes do estudo InfoFamília, da Direção-Geral Saúde, 45,8% dos agregados familiares incluídos no estudo encaixavam-se nesta categoria, o que significa que cerca metade dos residentes em Portugal pode ter experimentado algum tipo de dificuldade no acesso aos alimentos.
Os dados são tanto ou mais preocupantes quando verificamos que a prevalência da insuficiência alimentar grave atinge 6,6% dos agregados familiares, em que  famílias sem crianças relatam ter experimentado a sensação física de fome e nas com crianças a redução da ingestão de alimentos por estas.
É imperioso termos estes números vincados na nossa consciência coletiva num momento em que um português assume pela primeira vez a liderança das Nações Unidas e em que celebramos o 68.º aniversário do mais substantivo legado da organização, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.  Porque o que estes números representam é a admissão de que Portugal não consegue cumprir na plenitude um dos direitos humanos mais básicos: o direito à alimentação.
O direito à alimentação não é meramente o direito a não ter fome. É, na verdade, o direito de ter acesso regular, permanente e sem restrições, seja diretamente ou por meio de aquisições financeiras, quantitativa e qualitativamente suficiente de alimentos e correspondendo às tradições culturais do povo a que o indivíduo pertence, e que garantem uma vida física e mental, individual e coletiva, digna.
Para garantir o direito à alimentação, devem ser garantidos os princípios da disponibilidade, acessibilidade, sustentabilidade e não discriminação. Sobre o princípio da disponibilidade, os indivíduos devem ter garantido o direito a que os alimentos estejam disponíveis em quantidade e qualidade suficientes para satisfazer as necessidades alimentares, livres de substâncias nocivas e aceitáveis dentro de uma determinada cultura. O princípio da acessibilidade preconiza que o alimento deva ser física e economicamente acessível de maneira que não interfira com o gozo de outros direitos humanos. A sustentabilidade é um princípio fundamental, pois o alimento deve ser seguro e acessível, não só para as gerações presentes como para as gerações vindouras. Por fim, mas igualmente importante, é o princípio da não discriminação, que convenciona que qualquer discriminação no acesso aos alimentos, bem como aos meios e direitos para sua obtenção, por motivos de raça, sexo, cor, idade, língua, religião, opinião política ou outra, de origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou outra condição constitui uma violação do direito à alimentação.
É certo que, nos últimos anos, Portugal participou em inúmeras iniciativas internacionais relacionados com a segurança alimentar e nutricional, tendo assinado as respetivas declarações finais, assumindo assim importantes compromissos internacionais em matéria de direito à alimentação.
Contudo, um sistema de proteção alimentar funcional requer não apenas a ratificação dos principais instrumentos internacionais relevantes, mas também a sua proteção a nível constitucional e legal, bem como a adoção de medidas e políticas que tornem esse direito efetivo por parte de cada um dos cidadãos portugueses.
Por outro lado, os autores dos estudos nacionais de insegurança alimentar referem que as disparidades regionais encontradas nos dados recolhidos sugerem a necessidade de implementar estratégias a nível regional, em particular nas regiões mais afetadas, envolvendo os diferentes sectores com capacidade interventiva (saúde, segurança social, autarquias e instituições locais na área da economia social).
Este é, pois, um desígnio que exige a contribuição de todos os setores da sociedade nacional.  Individual ou coletivamente, todos devemos contribuir para garantir o direito básico à alimentação adequada a toda a população portuguesa.
(*) Alexandra Bento, Público

Sem comentários:

Enviar um comentário