É
tão pouco frequente encontrarmos na nossa comunicação social, em especial na
escrita, artigos de opinião sobre a alimentação em Portugal que não quisemos
deixar de aproveitar o seguinte texto assinado pela Bastonária da Ordem dos
Nutricionistas (*) para divulgarmos alguns dados sobre a (in)segurança
alimentar que se verifica em Portugal em pleno século XXI. Desde logo o título Portugal ainda não garante o direito básico
à alimentação constitui
uma poderosa chamada de atenção para situações tão graves como “a prevalência da
insuficiência alimentar grave” em camadas
significativas da população. Ainda que o texto não o refira, é óbvio que estas
situações só podem ter lugar devido aos salários muito baixos que se praticam
no nosso país e aos elevados níveis de pobreza que continuam a persistir. A actualização
do Salário Mínimo para 557 euros (em 2017) obtida perante grande resistência
das organizações patronais ainda fica muito longe das reais necessidades de uma
parte importante dos portugueses que vivem exclusivamente do seu trabalho. Por isso
mesmo, a batalha por uma remuneração justa tem de continuar ainda durante muito
tempo.
Em pleno século XXI, Portugal ainda
apresenta níveis de insegurança alimentar alarmantes. Segundo dados de 2014
resultantes do estudo InfoFamília, da Direção-Geral Saúde, 45,8% dos agregados
familiares incluídos no estudo encaixavam-se nesta categoria, o que significa
que cerca metade dos residentes em Portugal pode ter experimentado algum tipo
de dificuldade no acesso aos alimentos.
Os dados são tanto ou mais preocupantes
quando verificamos que a prevalência da insuficiência alimentar grave atinge 6,6%
dos agregados familiares, em que famílias sem crianças relatam ter
experimentado a sensação física de fome e nas com crianças a redução da
ingestão de alimentos por estas.
É imperioso termos estes números
vincados na nossa consciência coletiva num momento em que um português assume
pela primeira vez a liderança das Nações Unidas e em que celebramos o 68.º
aniversário do mais substantivo legado da organização, a Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Porque o que estes números representam é a admissão
de que Portugal não consegue cumprir na plenitude um dos direitos humanos mais
básicos: o direito à alimentação.
O direito à alimentação não é meramente
o direito a não ter fome. É, na verdade, o direito de ter acesso regular,
permanente e sem restrições, seja diretamente ou por meio de aquisições
financeiras, quantitativa e qualitativamente suficiente de alimentos e
correspondendo às tradições culturais do povo a que o indivíduo pertence, e que
garantem uma vida física e mental, individual e coletiva, digna.
Para garantir o direito à alimentação,
devem ser garantidos os princípios da disponibilidade, acessibilidade,
sustentabilidade e não discriminação. Sobre o princípio da disponibilidade, os
indivíduos devem ter garantido o direito a que os alimentos estejam disponíveis
em quantidade e qualidade suficientes para satisfazer as necessidades
alimentares, livres de substâncias nocivas e aceitáveis dentro de uma
determinada cultura. O princípio da acessibilidade preconiza que o alimento
deva ser física e economicamente acessível de maneira que não interfira com o
gozo de outros direitos humanos. A sustentabilidade é um princípio fundamental,
pois o alimento deve ser seguro e acessível, não só para as gerações presentes
como para as gerações vindouras. Por fim, mas igualmente importante, é o
princípio da não discriminação, que convenciona que qualquer discriminação no
acesso aos alimentos, bem como aos meios e direitos para sua obtenção, por
motivos de raça, sexo, cor, idade, língua, religião, opinião política ou outra,
de origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou outra condição constitui
uma violação do direito à alimentação.
É certo que, nos últimos anos, Portugal
participou em inúmeras iniciativas internacionais relacionados com a segurança
alimentar e nutricional, tendo assinado as respetivas declarações finais,
assumindo assim importantes compromissos internacionais em matéria de direito à
alimentação.
Contudo, um sistema de proteção
alimentar funcional requer não apenas a ratificação dos principais instrumentos
internacionais relevantes, mas também a sua proteção a nível constitucional e
legal, bem como a adoção de medidas e políticas que tornem esse direito efetivo
por parte de cada um dos cidadãos portugueses.
Por outro lado, os autores dos estudos
nacionais de insegurança alimentar referem que as disparidades regionais
encontradas nos dados recolhidos sugerem a necessidade de implementar
estratégias a nível regional, em particular nas regiões mais afetadas,
envolvendo os diferentes sectores com capacidade interventiva (saúde, segurança
social, autarquias e instituições locais na área da economia social).
Este é, pois, um desígnio que exige a
contribuição de todos os setores da sociedade nacional. Individual ou
coletivamente, todos devemos contribuir para garantir o direito básico à
alimentação adequada a toda a população portuguesa.
(*) Alexandra
Bento, Público
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