sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

NUVENS NEGRAS DA DESGRAÇA ACUMULAM-SE NO HORIZONTE


Tendo como ponto de partida a tragédia que dizimou quase por completo uma equipa de futebol brasileira que se deslocava à Colômbia, Francisco Louçã assina um texto no Público de hoje onde destaca a vaga de afecto e “simpatia para com o Chapecoense” como “um episódio neste nosso Inverno”. Em contrapartida, destaca “quatro sinais [negativos] nos dias que correm”, a saber: 1) a transformação da Turquia num estado repressivo; 2) a possível vitória da extrema-direita na Áustria; 3) a queda do Governo italiano; 4) a escolha por Trump do seu ministro das forças armadas.
Muito pior que o mau tempo que se anuncia para este fim de semana, são as nuvens negras da desgraça que se acumulam no horizonte das nossas vidas, provenientes de várias partes do mundo.
A tragédia do Chapecoense poderia ser uma parábola dos nossos tempos, no pior e no melhor. É aparentemente o resultado de um comportamento empresarial sinistro, pois o avião não teria combustível para a viagem e apostou em ventos que lhe poupassem alguns minutos. Consumada a tragédia, esta deu origem a uma vaga de afecto que nem a paixão futebolística permite explicar, talvez seja antes o resultado da indignação perante a cobardia daquela morte. E, entre essas atitudes, ressalta uma: a da equipe contrária que pediu que o troféu fosse simbolicamente atribuído aos desaparecidos. O futebol não é propício a estes gestos, mesmo quando se respeita o adversário, o que rareia, e submeter a equipa a um desígnio superior ao do seu mérito ou demérito em campo não é imagem comum. Houve portanto este momento de grandeza na triste resposta a tanta desgraça.
Mais difícil é encontrar a resposta que previna, que evite ou que puna os predadores que alimentam a desgraça – ou respostas generosas que provem a humanidade. E é nisso que a vaga de simpatia para com o Chapecoense é um episódio isolado neste nosso inverno. Tome em atenção, a este respeito, quatro dos sinais dos dias que correm.
Erdogan ameaça encerrar o processo de negociação da adesão da Turquia à União Europeia e de usar os refugiados para pressionar os governos europeus. Nada de novo, só um passo adiante. A adesão sempre foi uma ficção, esperava Erdogan sossegar a economia e esperava Berlim continuar a fingir. Dessa dupla hipocrisia nasceu o acordo para deter os refugiados na Turquia e, com o dinheiro na mão, o primeiro-ministro aproveitou um golpe falhado para despedir ou prender dezenas de milhares de jornalistas, militares, professores e outros. Não consta que a recente reunião da NATO em Istambul se tenha incomodado com o assunto.
Este fim-de-semana, eleições na Áustria e referendo em Itália. Pode acontecer que nos dois casos ganhe a solução de efeitos imprevisíveis: a extrema-direita em Viena e a queda do governo em Roma. Para aqui chegarmos, há algo em comum entre os dois países, a desagregação dos partidos tradicionais e dos regimes políticos internos, portanto da organização do poder. Os partidos do pós-guerra já não existem e a Europa é governada por aventureiros, quando não são gente do calibre de Orban. Curiosamente, Merkel é agora apresentada nisto tudo como uma rocha no meio da tempestade e, ela que tem sido o principal factor de instabilidade na Europa com a sua política económica destruidora, é incensada como o baluarte da confiança.
Quarto sinal, a escolha por Trump do seu ministro das forças armadas (dizer da “defesa” é um eufemismo, não é?), gloriosamente apresentado num comício como “Mad Dog” Mattis, um general reformado conhecido pela sua proposta de escalar a tensão militar contra o Irão. Percebemos, pelo carinho de Trump, que a alcunha “Mad Dog”, cão raivoso ou cão louco, não é pejorativa, será antes acarinhada pelo próprio: ele quer ser mesmo conhecido por “Mad Dog” e Trump acha que essa apresentação é uma vantagem na opinião pública. Suponho que a ideia do homem sobre estratégia militar, em si, é quase irrelevante: sem um acordo com o Irão, os Estados Unidos não conseguem controlar militarmente o Iraque, e já assim é o que se vê, nem têm pé no conflito na Síria. De facto, Israel e a Arábia Saudita não garantem o controlo do Médio Oriente e Washington precisa de negociar com os generais de Teerão.
Mas é a atitude, a bazófia, que conta aqui, pois Trump quer manter a imagem de cowboy que lhe fez a fama e o proveito. Ou seja, ele parece acreditar que o seu poder depende politicamente da instabilidade que cria. Nas pastas económicas o mesmo, entrega-as aos lobos de Wall Street, os que prometem desmantelar a temerosa regulação que foi criada depois do crash do subprime, em 2007.
Ou seja, os Mad Dogs estão por todo o lado, do avião do Chapecoense à Casa Branca.

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