Tendo
como ponto de partida a tragédia que dizimou quase por completo uma equipa de
futebol brasileira que se deslocava à Colômbia, Francisco Louçã assina um texto
no Público de hoje onde destaca a vaga de afecto e “simpatia para com o
Chapecoense” como “um episódio neste nosso Inverno”. Em
contrapartida, destaca “quatro sinais [negativos] nos dias que correm”, a
saber: 1) a transformação da Turquia num estado repressivo; 2) a possível vitória
da extrema-direita na Áustria; 3) a queda do Governo italiano; 4) a escolha por
Trump do seu ministro das forças armadas.
Muito
pior que o mau tempo que se anuncia para este fim de semana, são as nuvens
negras da desgraça que se acumulam no horizonte das nossas vidas, provenientes
de várias partes do mundo.
A
tragédia do Chapecoense poderia ser uma parábola dos nossos tempos, no pior e
no melhor. É aparentemente o resultado de um comportamento empresarial
sinistro, pois o avião não teria combustível para a viagem e apostou em ventos
que lhe poupassem alguns minutos. Consumada a tragédia, esta deu origem a uma
vaga de afecto que nem a paixão futebolística permite explicar, talvez seja
antes o resultado da indignação perante a cobardia daquela morte. E, entre
essas atitudes, ressalta uma: a da equipe contrária que pediu que o troféu
fosse simbolicamente atribuído aos desaparecidos. O futebol não é propício a
estes gestos, mesmo quando se respeita o adversário, o que rareia, e submeter a
equipa a um desígnio superior ao do seu mérito ou demérito em campo não é imagem
comum. Houve portanto este momento de grandeza na triste resposta a tanta
desgraça.
Mais
difícil é encontrar a resposta que previna, que evite ou que puna os predadores
que alimentam a desgraça – ou respostas generosas que provem a humanidade. E é
nisso que a vaga de simpatia para com o Chapecoense é um episódio isolado neste
nosso inverno. Tome em atenção, a este respeito, quatro dos sinais dos dias que
correm.
Erdogan
ameaça encerrar o processo de negociação da adesão da Turquia à União Europeia
e de usar os refugiados para pressionar os governos europeus. Nada de novo, só
um passo adiante. A adesão sempre foi uma ficção, esperava Erdogan sossegar a
economia e esperava Berlim continuar a fingir. Dessa dupla hipocrisia nasceu o
acordo para deter os refugiados na Turquia e, com o dinheiro na mão, o
primeiro-ministro aproveitou um golpe falhado para despedir ou prender dezenas
de milhares de jornalistas, militares, professores e outros. Não consta que a
recente reunião da NATO em Istambul se tenha incomodado com o assunto.
Este
fim-de-semana, eleições na Áustria e referendo em Itália. Pode acontecer que
nos dois casos ganhe a solução de efeitos imprevisíveis: a extrema-direita em
Viena e a queda do governo em Roma. Para aqui chegarmos, há algo em comum entre
os dois países, a desagregação dos partidos tradicionais e dos regimes
políticos internos, portanto da organização do poder. Os partidos do pós-guerra
já não existem e a Europa é governada por aventureiros, quando não são gente do
calibre de Orban. Curiosamente, Merkel é agora apresentada nisto tudo como uma
rocha no meio da tempestade e, ela que tem sido o principal factor de
instabilidade na Europa com a sua política económica destruidora, é incensada
como o baluarte da confiança.
Quarto
sinal, a escolha por Trump do seu ministro das forças armadas (dizer da
“defesa” é um eufemismo, não é?), gloriosamente apresentado num comício como
“Mad Dog” Mattis, um general reformado conhecido pela sua proposta de escalar a
tensão militar contra o Irão. Percebemos, pelo carinho de Trump, que a alcunha
“Mad Dog”, cão raivoso ou cão louco, não é pejorativa, será antes acarinhada
pelo próprio: ele quer ser mesmo conhecido por “Mad Dog” e Trump acha que essa
apresentação é uma vantagem na opinião pública. Suponho que a ideia do homem
sobre estratégia militar, em si, é quase irrelevante: sem um acordo com o Irão,
os Estados Unidos não conseguem controlar militarmente o Iraque, e já assim é o
que se vê, nem têm pé no conflito na Síria. De facto, Israel e a Arábia Saudita
não garantem o controlo do Médio Oriente e Washington precisa de negociar com
os generais de Teerão.
Mas
é a atitude, a bazófia, que conta aqui, pois Trump quer manter a imagem de
cowboy que lhe fez a fama e o proveito. Ou seja, ele parece acreditar que o seu
poder depende politicamente da instabilidade que cria. Nas pastas económicas o
mesmo, entrega-as aos lobos de Wall Street, os que prometem desmantelar a
temerosa regulação que foi criada depois do crash do subprime, em 2007.
Ou seja, os Mad Dogs estão
por todo o lado, do avião do Chapecoense à Casa Branca.
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