É
bom recordarmos que foi com o 25 de Abril e o restabelecimento da liberdade em Portugal
que se tornou possível voltarmos a comemorar o 1º de Maio. Aproxima-se essa
data que, em Portugal, se comemora em tom de festa mas, não nos esqueçamos que
ainda há países onde o Dia do Trabalhador é dia de repressão.
O
1º de Maio como Dia do Trabalhador foi instituído em 1889 como forma de “homenagear
as vítimas do grande protesto de trabalhadores do centro industrial de Chicago
que em 1886 lutavam pela redução do horário de trabalho diário das 13 horas
para as oito horas”.
A
propósito da efeméride que se aproxima, deixamos aqui um excerto de um artigo
de opinião (*) que transcrevemos do Público de hoje.
Aproxima-se um dos mais emblemáticos
dias de ação global: o 1.º de Maio. Instituído em 1889, no quadro da Segunda
Internacional Operária, o 1.º de Maio veio homenagear as vítimas do grande
protesto de trabalhadores do centro industrial de Chicago que em 1886 lutavam
pela redução do horário de trabalho diário das 13 horas para as oito horas. Mas
o 1.º de Maio reúne muitos outros desafios que reclamam redobrada atenção: o
combate às desigualdades entre ricos e pobres, às disparidades salariais entre
homens e mulheres, ao trabalho infantil, ao desemprego mundial, que se estima
em 2018 poder aumentar em 2,7 milhões, abrangendo mais de 201 milhões de
pessoas, etc. (vejam-se os recentes Global Wage Report e World
Employment and Social Outlook da OIT).
Todavia, por vezes, o 1.º de Maio
tropeça em obstáculos que o secundarizam. Destaco os seguintes, tendo por
referência o caso português:
1. Os
efeitos de uma legislação laboral (Lei 23/2012) permissiva à austeridade,
testemunhados por cortes nas retribuições decorrentes da realização de horas
extraordinárias, banco de horas por negociação individual, redução de
indemnizações em caso de despedimento, redução de dias de férias e feriados,
despedimento por extinção do posto de trabalho, despedimento coletivo,
enfraquecimento da contratação coletiva, redução de poder de controlo por parte
da Autoridade para as Condições de Trabalho, etc. Algumas destas consequências
foram já revertidas/corrigidas pelo atual Governo e estão reportadas no Livro
Verde sobre as Relações Laborais que servirá de base a futuras alterações às
leis laborais.
2.
Rivalidades no campo sindical (entre CGTP e UGT), recentemente avivadas na
Concertação Social na sequência do entendimento entre Governo, patrões e UGT
para a redução da taxa social única para as empresas como contrapartida para o
aumento do salário mínimo nacional, o qual, entretanto, seria recusado no
Parlamento. Ainda que o contexto político atual pareça afigurar-se
ideologicamente mais propício a convergências no campo sindical, e apesar das
articulações pontuais entre CGTP e UGT (em três greves gerais conjuntas contra
a austeridade), dificilmente se vislumbra no horizonte uma “geringonça
sindical”.
3. Défice
de alianças no combate à precariedade. O facto de o trabalho assumir hoje
múltiplas formas — dos vínculos laborais não permanentes (contratos a termo, de
muito curta duração ou temporários) aos regimes especiais de trabalho (tempo
parcial, teletrabalho, comissão de serviço) — não terá sido suficiente para
edificar alianças entre o campo sindical e outros movimentos/atores
sociolaborais, igualmente focados na denúncia da precariedade no trabalho e na
vida. Por sinal, alguns deles (como os Precários Inflexíveis, hoje ACP-PI),
decisivos no reforço da iniciativa legislativa de cidadãos que conduziu à Lei
63/2013 (ação de reconhecimento de contrato de trabalho).
4.
Estratégias de silenciamento — gizadas por algumas superfícies comerciais — que
convertem o 1.º de Maio numa espécie de dia de todas as promoções e
oportunidades de consumo, certamente à custa de esforço humano adicional. Mesmo
sabendo que a economia não pode parar e admitindo que as empresas/grupos
económicos procuram respeitar as leis do trabalho, parece contraditório (ou
pelo menos é moralmente questionável) que a “celebração” do 1.º de
Maio se faça à custa de mais trabalho, contrariando o móbil da luta que o
viu nascer, em nome de um afã consumista.
É claro que o 1.º de Maio condensa num
dia, de modo simbólico, o que deve ser uma luta de todos os dias. Daí a
importância em manter o 1.º de Maio em primeiro e não em segundo plano.
É, pois, legítimo que qualquer cidadão e trabalhador aspire a um 1.º de Maio em
que: a) se clame por leis laborais mais equilibradas na relação entre capital e
trabalho; b) se fomente a unidade na diversidade, vertida em estratégicas de
ação coletiva conjuntas e menos em rivalidades ideológicas entre estruturas
sindicais; c) as tradicionais organizações representativas de trabalhadores
adotem discursos mais ousados, tendentes a imprimir à luta pelo direito ao
trabalho dos que nunca o tiveram a mesma importância conferida à luta pelo
direito ao trabalho dos setores tradicionalmente mais estáveis da força de
trabalho (ainda que penalizados pela austeridade); d) se denuncie a prevalência
de pretensões de consumo sobre lógicas de produção.
Dia de ação global, o 1.º de Maio é
também dia de reflexão global: momento para lembrar o que se conquistou e
pretexto para construir pontes entre trabalhadores, assim como entre estes e
administrações de empresas. Para que os primeiros reclamem direitos sem
esquecer deveres e as segundas percebam que os seus lucros só são possíveis com
o sacrifício e dedicação dos primeiros. Um jogo de soma positiva, pois, para
que se afirme coletivamente o valor do trabalho sem que se perca a sua
identidade e dignidade.
(*) Hermes Augusto Costa, sociólogo,
professor universitário e investigador do CES.
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