Reflectindo
sobre o que decorre actualmente à nossa volta, não diremos nada de novo se
afirmarmos que o mundo está a tornar-se exponencialmente perigoso a cada dia
que passa. E isso não acontece apenas pela acção de regimes
ditatoriais/autoritários mas em democracias que são tidas como consolidadas.
Hoje mesmo tivemos conhecimento do resultado final da primeira volta das
eleições presidenciais de ontem em França e, apesar de se configurar para a
segunda volta uma derrota da candidata de extrema-direita, a verdade é que
estas forças obtiveram, para já, o seu melhor resultado de sempre. Trata-se de
mais um aviso para todos os amantes da democracia e da liberdade que estão a
sofrer tratos de polé por todo o mundo.
De
qualquer maneira, o caso mais significativo sobre as ameaças à liberdade e à
democracia vem dos Estados Unidos, com a recente eleição de Trump. A “imprevisibilidade”
é a marca “indelével” da nova administração americana, como muito bem afirma
Domingos Lopes em artigo de ontem no Público, cujo conteúdo reproduzimos a
seguir. De Trump é possível admitirmos tudo e o seu contrário sendo que ambos
têm o condão de ser coisas más.
A administração Trump tem como marca
indelével a imprevisibilidade. Pode ser o que se estava à espera e o contrário
do que se esperava ou a tomada de medidas em frontal oposição com o seu
compromisso eleitoral. Para Trump não há passado, nem futuro. Apenas navegação
presente ao sabor dos vários conflitos abertos nas suas equipas de
colaboradores e dos que martirizam o mundo. A própria dimensão do conflito não
interessa a Trump, apenas saber o que pode retirar da sua existência para se
afirmar enquanto líder da maior potência mundial.
Os conflitos mundiais para Trump
encaixam-se na moldura do Twitter e pouco mais: sem um levantamento estratégico
a convocar atores e a enfrentar desafios a vencer. Para Trump, os problemas
resolvem-se a tiro de Tomahawks ou de bombas de destruição massiva, como
a apelidada de mãe de todas as bombas.
A milhares e milhares de quilómetros dos
EUA, algures na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, alegadamente
jihadistas do Daesh construíram, no meio de quase nada, túneis e por eles
transitam, segundo os militares do Pentágono. Pois bem, Trump lançou a mãe de
todas as bombas local para matar tudo o que por ali tivesse vida. Tudo. Não se
sabe ao certo o número de mortos, nem talvez se venha a saber. Sendo a mãe de
todas as bombas dá para poder imaginar o grau de destruição da dita bomba.
Lampeiro, no meio de militares, Trump, aplaudiu a explosão, afirmando que com
ele não se brinca e dará cabo do Daesh.
Dias antes tinha falado dos bebés
gazeados, pequenos bebés, e a sua “indignação” levou-o a puxar pelo gatilho e a
matar o que os Tomahawks encontrassem. Nos dias seguintes, a China, que
era o arqui-inimigo dos EUA durante a campanha eleitoral, passou a país de
estimação com quem Trump assegura irá cooperar para a resolução do problema
coreano… caso contrário, ele trata daquele país sozinho.
Trump, mesmo enquanto candidato, nunca
foi de fiar. Agora, enquanto Presidente, mais parece uma espécie de catavento
em busca da melhor direção soprada pelos conselheiros que lhe estejam mais à
mão e ordenar o bombardeamento da Síria com 59 misseis Tomahawks ou o
longínquo Afeganistão, em ruínas, com a mãe de todas as bombas.
Do que se consegue alcançar, a sua
estratégia passou pelo bombardeamento da Síria (antes de se apurar os autores
do criminoso gazeamento de gente indefesa com gás sarin) e do
Afeganistão com a mãe de todas as bombas para ver se com tais atos de guerra
alcançava algum relevo internacional. Canhoneira, acima de tudo.
Trump é o produto de uma elite inculta
que confunde a riqueza pessoal com a capacidade para governar e que tem no seu
ADN a ideia de que tudo se pode alcançar com o poder do dinheiro. O seu mundo é
uma espécie de torres, como as suas na 5.ª Avenida de Nova Iorque; o outro
mundo é o de gente miserável que não soube vingar e enriquecer como ele e os
seus amigos…
Basta ter montanhas de dinheiro (obtido
com a esperteza conhecida de quem despreza os concidadãos e as regras da vida
pública) para, com base nesse atestado, chegar ao poder e fazer o que queira.
Confundir a capacidade de um empreiteiro para ganhar dinheiro de mil maneiras
com a capacidade para governar um país, por acaso o mais poderoso, é um
monumental logro que nos diz muito do mundo em que vivemos.
Trump trata o mundo como alguém que não
faz a mínima ideia do que resulta das várias placas do passado civilizacional
que as diversas culturas foram gerando e que o configuram na atualidade. No
plano interno, não imagina os equilíbrios entre as diversas instituições que
compõem os EUA. Para ele, os tribunais que revogam os seus decretos
presidenciais não defendem a segurança dos EUA. Confunde grosseiramente o
mundo, a civilização, a cultura, com os estúdios da Fox ou de qualquer
televisão de “reality shows” onde sempre se impôs com o boné à cidadão
bronco dos EUA. Trump não tem a arte de saber ponderar e rodear-se de
dirigentes ponderados que lhe digam em que bases assenta o mundo atual.
Para Trump, os conflitos resolvem-se
acrescentando conflitos; nunca lhe passará pela cabeça que no mundo dos nossos
dias ninguém vai resolver nada sozinho, por mais força que tenha.
Tudo isto é Trump; a lástima é que os
líderes da União Europeia arreiem as calças quando Trump dispara.
Se o mundo era um local inseguro, com
este adolescente perdido com obnubilações pelo seu novo poder ficou mais
inseguro.
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