quinta-feira, 15 de setembro de 2011

POR FALAR EM GORDURAS...

Depois de um arranque algo atabalhoado, a máquina de propaganda do Governo está a dar mostras de que começou a funcionar. Por exemplo, ainda ontem o país esteve entretido com a divulgação pelos telejornais de que o Governo tinha procedido ao corte de 1712 lugares dirigentes na administração central e à extinção de 162 entidades públicas. No ambiente em que vivemos, a notícia cai muito bem perante a opinião pública embora isso signifique uma poupança irrisória na despesa. Também o Governo anterior fez ainda mais cortes em cargos dirigentes e extingui mais organismos públicos para parecer que mexia nas “gorduras” do Estado e no entanto…
Vivemos num tempo em que é melhor parece-lo do que sê-lo. Isto vai custar-nos muito caro mas, a verdade é que os portugueses parecem impávidos perante todas as sarrafadas que estão a levar.
A propósito da propaganda que tem girado à volta do corte nas “gorduras do Estado”, achámos muito interessante este texto que hoje vinha inserido no “Diário as Beiras”.

Gordura óssea
Nunca tanto se combateu a gordura. Preocupações crescentes com o bem-estar e a saúde, mas também ditames da estética. Há que eliminar as gorduras do Estado – dizem.
E vai daí, pomo-nos todos a pensar que se vai acabar com o desperdício, as frotas de automóveis de alta gama ao serviço de institutos e serviços públicos, as despesas supérfluas de vário tipo, assessorias, comissões ou missões desnecessárias, com os “jobs for the boys”, as mordomias, as ineficiências, a redundância de serviços, serviços sem sentido ou coisa que o valha.
Afinal, seria o que está a mais, custa caro e não serve para nada. E há, sem dúvida, no Estado ou em empresas. No Estado, para satisfação de clientelas. A rapaziada que apoia precisa de ser apoiada – é o lema caro a muitos baronetes que vão governando o país. Nem mais.
Mas afinal o que são as gorduras? Leiam-se os dicionários: “As gorduras, produzidas por processos orgânicos tanto por vegetais como por animais, consistem num grande grupo de compostos geralmente solúveis em solventes orgânicos e insolúveis em água.” Pois parece que há gorduras solúveis e gorduras insolúveis. Que gorduras estão a ser eliminadas? Os salários dos trabalhadores. As prestações sociais que têm afastado da pobreza extrema muitos e muitos milhares de portugueses.
O abono de família era muito gordo, tal como os subsídios de desemprego, o rendimento social de inserção e outros. Gorduras são as verbas necessárias para as escolas que graças aos cortes colossais no orçamento da educação vão ter de trabalhar ao frio e às escuras. As gorduras são as verbas da acção social escolar, com muitos alunos a deixarem de estudar, à medida que o Estado emagrece.
As gorduras são os montantes necessários para o funcionamento de hospitais e de todo o serviço nacional de saúde. Gordos são os enfermeiros que o Estado não pode contratar e que fazem falta aos hospitais. E que de tão gordos e escassos contribuem por ausência para o agravamento atroz das condições de prestação de cuidados de saúde.
As gorduras são as verbas que as Universidades viram desaparecer e agora ainda há quem queira transformá-las em fundações. Talvez, contra a gordura, se entregue a Torre da Universidade ao homem da cortiça e a Via Latina ao senhor dos hipermercados ou a outro senhor da banca! Gordo é o Estado enquanto Estado Social! O Estado é gordo quando serve os mais carenciados, quando paga salários. Só assim. A gordura afinal está no osso!
Que estranho conceito de gordura! Em nome da lipoaspiração, quebram-se os ossos, fractura-se a coluna. Em nome do combate ao desperdício, deita-se fora o menino e guarda-se a água suja do banho. O menino dá-se de presente a “gordos” negociantes, a água suja fica para as lavagens dos mais pobres.
(Francisco Queirós)

Luís Moleiro

Sem comentários:

Enviar um comentário