Uma
mentira mil vezes repetida não se converte em verdade assim como uma realidade
guardada a sete chaves não deixa de ser realidade.
As
mentiras mil vezes repetidas pela propaganda do Governo, quer pelos seus
membros que todos os dias nos entram em casa através dos canais televisivos do
regime, quer pelo enxame de fazedores de opinião afectos à maioria de direita
que enchem toda a comunicação social, têm de ser combatidas pela divulgação da
verdade ainda que os obstáculos para este efeito sejam imensos. É incrível que
esteja a tornar-se tão difícil chamar a atenção dos portugueses para a
realidade que os cerca.
A
realidade, relativamente, por exemplo, ao corte de apoios sociais que o Governo
tem vindo a efectuar resume-se na seguinte expressão retirada de um texto
publicado no Público de hoje e assinado por um assistente social (*): “Não há dinheiro
para proteger as pessoas da pobreza e da exclusão social, mas há dinheiro para
pagar as dívidas da família Espírito Santo.”
Muito
importante é a divulgação de textos como este.
Que
interferência terá a actual crise do Banco Espírito Santo na vida das pessoas
mais pobres que vivem em Portugal? Esta catástrofe financeira, obscura,
escondida, cheia de mentiras e truques, caracterizada por fraudes,
favorecimento de credores, falsificação de contas, gestão danosa, entre outros
expedientes, vai agravar ainda mais as miseráveis condições de vida dos meus
utentes.
As
pessoas que vivem com insuficiência de recursos económicos e com grande
dependência dos serviços sociais do Estado e das instituições particulares de
solidariedade social não costumam ter conta no banco, não têm dinheiro para
encher o frigorífico de alimentos, não têm dinheiro para comprar acções, não
têm emprego. Não são accionistas, não são depositantes, não são clientes, não
são funcionários do BES. São apenas beneficiários de Rendimento Social de
Inserção, recebem 178 euros por mês. Se forem casados e tiverem três filhos, o
valor do cheque pode chegar aos 350 euros. Uma fortuna, uma pipa de massa,
expressão recentemente utilizada por Durão Barroso.
Para
evitar que estas pessoas prejudiquem o Estado e desequilibrem as contas da
nação, para evitar que os contribuintes através dos seus impostos não estejam a
apoiar com esmolas quem não merece, quem não precisa, quem não quer trabalhar,
quem não está em situação de emergência e aflição social, o Governo de Passos
Coelho e Paulo Portas fez uma lei de perseguição ideológica a estes pobres. A
fraude existente na atribuição do rendimento mínimo é um escândalo, uma
vergonha nacional, motivo de indignação por todos os que reclamam justiça e
transparência na gestão de dinheiros públicos, segundo estes governantes
perdem-se muitos euros que fazem falta a quem realmente está a precisar da
ajuda do Estado.
Sobre
isto sempre defendi, como técnico do terreno, que é necessário combater todas
as fraudes e irregularidades, no acompanhamento diário destas famílias sempre
colaborei com os serviços de fiscalização da Segurança Social para evitar
ilegalidades e desincentivar os utentes a adaptarem comportamentos desviantes
de sobrevivência. Mesmo assim, a experiência profissional e alguns estudos
académicos já publicados têm-me ajudado a perceber que, afinal, a fraude na
atribuição do RSI é uma migalha insignificante, invisível, sem expressão no bolo
que o Estado gasta no conjunto das prestações sociais. Também tenho percebido
nesta ligação técnica às famílias que mais importante do que a fiscalização
repressiva, estas pessoas desqualificadas, desmunidas dos principais recursos
económicos, escolares, sociais e culturais, precisam é de oportunidades para
saírem da medida. Precisam que a dívida à troika seja rapidamente renegociada
e de emprego com direitos. Muitas recebem RSI e fazem biscates, porque só assim
conseguem dar de comer aos seus filhos. Mesmo a trabalhar e com salário mínimo
declarado, muitas famílias recebem RSI e não conseguem romper com o seu ciclo
de pobreza.
Para
domesticar e humilhar estas famílias existe legislação, existe tutela,
supervisão, fiscalização, vigilância, repressão. E castigo para quem mente,
para quem engana o Estado, para quem se quer apropriar indevidamente do pouco
dinheiro dos contribuintes que afinal é de todos?
Sendo
assim, tenho agora de perguntar o seguinte: por que razão este Governo é
tão forte com os fracos e tão fraco com os fortes?
Afinal
quem mente, os pobres do RSI ou o governador do Banco de Portugal? Que mentiras
provocam mais estragos ao país, as mentiras dos pobres ou as mentiras dos
poderosos respeitáveis da alta finança? Afinal não existia no BES nenhuma
almofada financeira para tapar os buracos do crédito malparado; afinal a crise
no grupo sempre afectou o funcionamento do banco; foi necessário afastar da
gestão do banco Ricardo Salgado; os testes de stress ao
banco, afinal não provaram solidez financeira nenhuma.
A
maioria dos desempregados em Portugal não tem acesso a qualquer apoio económico
no período de desemprego. As escolas públicas continuam a funcionar com menos
professores e técnicos para dar apoio a crianças com necessidades educativas
especiais, os centros educativos não têm vagas para acolher mais jovens
condenados, um grupo de organizações não governamentais, entre as quais a
Amnistia Internacional e a Caritas Portuguesa, considera que não existe
estratégia nem políticas sociais consistentes para combater a pobreza em
Portugal. Em 2014, segundo dados do Instituto da Segurança Social, 20,8% dos
beneficiários de RSI foram excluídos desta medida de apoio. Mais de 38 mil
idosos perderam no mesmo ano o complemento solidário para idosos. Não há dinheiro
para proteger as pessoas da pobreza e da exclusão social, mas há dinheiro para
pagar as dívidas da família Espírito Santo. Há dinheiro para em 2014 gastar 511
milhões de euros nas rendas das parcerias público-privadas com derrapagem de 84
milhões de euros só nas parcerias rodoviárias.
Há
dinheiro para, sem qualquer tipo de garantia ou segurança, o Estado emprestar
ao Fundo de Resolução 4400 milhões de euros para recapitalizar o BES.
Os
banqueiros continuam a ter na mão o poder político e, quando não têm o dinheiro
dos depositantes nos seus cofres, têm o dinheiro dos contribuintes para os
salvar de todas as irresponsabilidades e manobras gananciosas do capitalismo
financeiro. Os pobres já pagaram a crise do BPN e vão pagar agora a crise do
BES. Enquanto não chega a informação, o esclarecimento, a consciencialização, a
politização organizada e a qualificação deste grupo social, os pobres, para
melhorar a sua situação social, têm rapidamente de se tornar donos de um banco
falido, especializar-se em gerar produtos financeiros tóxicos, obrigar o Estado
a recapitalizar os seus prejuízos, meter medo aos accionistas, surpreender os
mercados e aterrorizar o funcionamento da bolsa de valores.
(*) José
António Pinto
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