As
provas de avaliação dos (professores) candidatos a um lugar nas escolas
públicas têm feito correr alguma tinta. Os seus resultados vieram ao encontro
da estratégia do Governo, no sentido da humilhação da classe docente como um
todo. Digamos, em abono da verdade, que, em parte, esse objectivo foi
conseguido porque temos uma comunicação social submetida aos ditames do
executivo. Poucos foram ao fundo desta questão, vá lá saber-se porquê e, por
isso, é muito importante divulgarmos a opinião daqueles que têm a coragem de
afirmar que o rei vai nu. Felizmente, entre estes, encontramos sempre o prof.
Santana Castilho, com o seu desassombro, como se pode verificar no texto que
assina hoje no Público e que reproduzimos a seguir, na sua parte fundamental.
Foram
os seguintes os factos e as considerações que lhe mereceram:
1.
Segundo os resultados divulgados, relativamente ao item da prova em que se
pedia a produção de um texto com uma dimensão compreendida entre 250 e 350
palavras, 62,8% desses textos continham erros ortográficos, 66,6% erros de
pontuação e 52,9% erros de sintaxe. Isto é preocupante? É! Seja qual for a área
científica da docência, é exigível a um professor que conheça o código de
escrita e, muito mais, a sintaxe, sem cujo domínio não se exprimem ideias de
forma ordenada e coerente. Como é preocupante o presidente da República dizer,
reiteradamente, “cidadões” em vez de cidadãos! Ou recriar o futuro do verbo
fazer, de farei para “façarei”. Como é preocupante o primeiro-ministro dizer
“sejemos” em vez de sejamos. Como é preocupante encontrarmos no comunicado do
Ministério da Educação e Ciência, ironicamente sobre a PACC e no próprio dia em
que teve lugar a segunda chamada, um estranho verbo “revir” em lugar de rever.
Como é preocupante uma deputada escrever “sensura” por censura, “tulero” por
tolero ou “bloquiarei” por bloquearei.
2.
Posto o anterior, sucede-se a pergunta óbvia: e agora? Agora temos a humilhação
pública de toda uma classe, com todo o cortejo de generalizações abusivas e
nada acrescentado à superação de eventuais lacunas na formação dos jovens
professores (jovens, sim, porque é bom recordá-lo, falamos de professores que
nunca deram uma só aula ou têm menos de cinco anos de contratos precários, em
regime de escravatura moderna).
O
incremento da qualidade dos professores só se consegue com a valorização da sua
formação, inicial e contínua, e com a melhoria das condições de trabalho. Mas
Nuno Crato e os que o apreciam como o justicialista do “eduqês” galopam estes
resultados como se com eles fosse possível substituir o investimento na
formação por uma prova que não destrinça um bom professor de um satisfatório
perito em decifração de charadas.
3.
Dito o que disse supra, tenho legitimidade para fazer 3 perguntas simples:
-
Como se pode confiar na integridade do processo de apuramento dos resultados da
PACC, particularmente depois de o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) ter
trocado chaves de correcção e de o país ter conhecido a fraude da avaliação
encomendada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, cujo contrato impunha
um determinado resultado?
-
Como foram contabilizadas, nas estatísticas do IAVE, as provas entregues depois
de marcadas com diferentes expedientes de protesto? Foram muitas ou foram
poucas? Quantas?
-
Que influência tiveram nos resultados os múltiplos tipos de coacção verificados
e as grosseiras faltas de condições mínimas para a realização de um exame
(ampla e publicamente documentadas nas televisões)?
4.
O epílogo desta saga remete-nos, finalmente, para o mais grave problema da
nossa sociedade: a pulverização da confiança dos cidadãos no Estado e nas
elites que nos governam. A deriva do país, entregue a dirigentes sem ética nem
vergonha, não se detecta apenas na Educação. Está por todo o lado, qual tsunami de
lama.
O
governador do Banco de Portugal e o presidente da República disseram-nos que o
BES era sólido e que podíamos estar tranquilos. Com o golpe de mão de 3 de
Agosto e a divulgação pública da acta que o consumou, não foi só o BES que foi
reduzido a nada. Nenhum dos que “se não sabiam deviam saber” veio a público
reconhecer a incompetência com que facilitaram tantos crimes de mercado.
Em
2007 escrevi sobre o drama de Manuela Estanqueiro, professora com 63 anos de
idade, 30 de serviço, vítima de leucemia aguda, a quem, por duas vezes, uma
junta médica recusou a reforma por doença e obrigou a dar aulas nas vascas da
morte e em sofrimento desumano. Um tribunal de segunda instância acaba de
condenar a Caixa Geral de Aposentações a pagar à filha uma indemnização de
20.000 euros. Os responsáveis por esta vergonha de uma sociedade sem critério,
mais aqueles que tiveram o desplante de recorrer da sentença inicial, pedindo
que a indemnização fosse reduzida para 5.000 euros, continuam nos seus postos,
sem beliscadura. Como Ricardo Salgado permanecerá no seu iate e na sua mansão,
sem que o fisco estranhe que tal cidadão não tenha um só bem em seu nome.
Três anos de austeridade não
destruíram só a economia, o emprego e os direitos sociais. Adoeceram a nação.
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