Já
aqui exprimimos, várias vezes, de forma bem clara, que a expressão
neoliberalismo mas, principalmente, a sua prática, nos causam um irreprimível “calafrio
cívico”. Em especial nos últimos três anos, os portugueses têm sentido na sua
carne os nefastos efeitos das práticas neoliberais, tal como as conhecemos. Apetece-nos
dizer que já chega de agressão desta forma de capitalismo radical. Para lição
basta. Infelizmente, chegam-nos todos os dias fortes indícios de que a tortura
a que temos sido sujeitos ainda vai ter mais episódios, não se vislumbrando o
seu término.
O
texto seguinte – transcrevemo-lo do Expresso de sábado (2/8) – constitui uma
interessante crítica às políticas neoliberais, por parte do prof. António Casimiro
Ferreira da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Imagine
o leitor que a expressão neoliberalismo lhe causa – comigo acontece – um calafrio
cívico. Porquê? Por sabe-la defensora de um Estado sem preocupações sociais, de
indivíduos egoístas e de um mercado que conta mais do que as pessoas e que
contagia todos os fenómenos da vida social e política. Não acredito ser
possível fazer funcionar uma sociedade verdadeiramente humana, digna, decente e
solidária com tais pressupostos. Mais, como crítico do neoliberalismo discordo
de uma galáxia de ideias, instituições e autores, por exemplo, Hayek, Friedman,
filho e pai, thatcherismo, Banco Mundial, FMI, etc, relativamente à qual
contraponho outras ideias nas quais se incluem a não destruição do Estado
social, a defesa do serviço nacional de saúde, o investimento na educação, a promoção
do direito do trabalho e dos diferentes mecanismos de proteção social e o
respeito pela Constituição Portuguesa.
Contudo,
caro leitor, veja bem a situação a que chegámos quando após os episódios dos
últimos dias relacionados com o BES se confirmam as suspeitas, de que o
neoliberalismo nunca existiu em Portugal. Bem, existir, existe, no ideário
revolucionário daqueles que com proselitismo ideológico e método afirmam os
seus princípios inspirados no breviário da troika e nas políticas de
ajustamento estrutural. E até se pode afirmar que somos precursores de uma
escola de neoliberalismo, a qual está hierarquicamente das pessoa e redes de
interesses económico-finanaceiros, as quais através de uma pedagogia
conspirativa manipulam políticas e políticos. É certo que o Estado e a política
têm gostado da companhia e do contágio através do qual tem ocorrido a sua
captura e a triste corrosão da esfera da política, sabendo-se bem que não há
sociedade democrática sem uma política e um poder democráticos fortes.
Assim, o neoliberalismo
existe e está não só remoçado pela implementação das políticas de austeridade,
mas também, e este é o ponto, pelo princípio da exceção discreto, promovido
pelos interesses e pelos lóbis. Para mim, o neoliberalismo da austeridade em Portugal
é simultaneamente uma forma de implementar seletivamente medidas e políticas,
de facto, neoliberais, tendo por base estruturas de dominação e de poder
protagonizadas por elites, lóbis e redes, as quais envolvem o Estado e a
política por forma a assegurar os seus proventos e lucros. Tudo isto traz nova
luz sobre quem viveu acima das suas possibilidades, quem é culpado por ter
consumido demais, bem como, acerca do modo como as transferências de poder e de
rendimentos, verificados no actual contexto de austeridade, se tornam parte de
um processo complexo da estruturação dos poderes fáticos em Portugal. Apesar da
capacidade discursiva de ideias políticas, económicas e sociológicas e da mobilização
dos debates no espaço público serem mais importantes do que muitas vezes se
pensa, acontece, porém, como diria Keynes, que o mundo é governado por algo mais…
de uma forma ou de outra, não são as ideias, mas sim os interesses
estabelecidos que determinam a virtude do bem e do mal. Esta é, por enquanto, a
teoria política do espírito santo.
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