As
estatísticas demonstram que nos últimos anos tem vindo a baixar o número de
estudantes inscritos no ensino superior. Para este facto têm surgido várias
tentativas de explicação, tais como as dificuldades económicas das famílias e a
ideia errada de que uma qualificação superior não compensa, tendo em atenção o
elevado nível de desemprego entre os jovens licenciados.
É
à volta destas explicações que gira um excelente texto de José Morgado que
transcrevemos do Público de hoje. Garantimos que, apesar de um pouco longo,
vale a pena ser lido.
Umas
notas sobre uma matéria que o PÚBLICO tem em preparação já anunciada, a questão
dos jovens que, tendo terminado o ensino secundário, não prosseguem estudos no
ensino superior.
No
início do ano, a divulgação de um estudo patrocinado pela Comissão Europeia
realizado em oito países da Europa revelava, sem surpresa, que Portugal
apresenta uma das mais altas percentagens, 38%, de jovens que gostavam de
prosseguir estudos mas não têm meios para pagá-los.
É
também preocupante que apenas 56% dos estudantes que realizaram os últimos
exames nacionais do secundário revelassem a intenção de continuar estudos no
ensino superior. O número tem vindo a baixar ao longo dos últimos anos, sendo
que as dificuldades económicas das famílias ou dos próprios parecem ser a
principal razão.
Os
dados disponíveis sustentam este entendimento mas, do meu ponto de vista, há
ainda que considerar os eventuais efeitos de um discurso recorrentemente
difundido de que, dada a enorme taxa de desemprego entre os jovens com
qualificação superior, o investimento nessa qualificação não compensa pois não
existe mercado de trabalho, alguns empregos que surgem são precários e mal
pagos e muita gente qualificada está a ser empurrada para fora por falta de
futuro em Portugal.
É
também de recordar que, de acordo com o relatório da OCDE Education at a Glance 2013,
Portugal é um dos países europeus em que a frequência de ensino superior mais
depende do financiamento das famílias — cerca de 31% dos gastos de
universidades e politécnicos. A média da OCDE é 32% e a da União Europeia,
23,6%.
Esta
informação não é nova. Na verdade, e como é do conhecimento das pessoas mais
perto deste universo, o ensino superior em Portugal, contrariamente ao que
muitos afirmam de forma leviana, tem um dos mais altos custos de propinas da
Europa. Conforme dados de 2011/2012 da rede Eurydice, Portugal tem o 10.º valor
mais alto de propinas na Europa, mas, se se considerarem as excepções criadas
em cada país, tem, efectivamente, o terceiro custo mais alto no valor das
propinas.
Em 2012 foi divulgado um estudo realizado pelo
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa que também contribui para
desmontar um equívoco que creio instalado na sociedade portuguesa.
Comparativamente a muitos outros países da Europa, Portugal tem um dos mais
altos custos para as famílias para um filho a estudar no ensino superior, ou
seja, as famílias portuguesas fazem um esforço bem maior, em termos de
orçamento familiar, para que os seus filhos acedam a formação superior. Se
considerarmos a frequência de ensino superior particular, o esforço é ainda
maior. Percebe-se, assim, a taxa altíssima de jovens que exprimem a dificuldade
de prosseguir estudos ou se sentem mesmo obrigados a desistir, situação
regularmente referenciada.
Estas dificuldades pelas quais passam muitos
estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público,
quer no sistema privado, são, do meu ponto de vista, consideradas
frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento
parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem
supérfluo, pelo que... quem não tem dinheiro não tem vícios.
Neste quadro, os constrangimentos em matéria de bolsas
e apoios, as dificuldades enormes que muitas famílias atravessam e o desemprego
mais elevado entre os jovens, que poderia constituir uma pressão para continuar
os estudos, as elevadas propinas, designadamente no 2.º ciclo, tornam ainda
mais difícil a realização de percursos escolares que promovam mobilidade
social, levando ao aumento das desistências.
Considerando, tal como o relatório da OCDE refere, o
ainda baixo nível de qualificação da população portuguesa, o número de
licenciados está bem abaixo da média europeia e, quando se sabe que a
minimização das assimetrias depende, também, da educação e qualificação, o
preço destes processos e as dificuldades actuais, longe de combater essas
assimetrias, alimenta-as.
É importante salientar que Portugal é um dos países em
que a qualificação de nível superior é mais compensadora no que respeita ao
estatuto salarial. Segundo o relatório da OCDE Education at a Glance 2012,
a diferença salarial de jovens com licenciatura para jovens com formação a
nível do secundário é de 69%.
Não esqueço o altíssimo e inaceitável nível de
desemprego entre os jovens, em particular entre os jovens com qualificação
superior, mas esta situação não decorre da sua condição de licenciados mas do
baixo nível de desenvolvimento do nosso mercado de trabalho, de circunstâncias
conjunturais e de erradas políticas de emprego.
Neste cenário, o discurso muitas vezes produzido no
sentido de que "não adianta estudar" não colhe e não tem sustentação,
sendo um autêntico tiro no pé de uma sociedade pouco qualificada como a nossa
que, efectivamente, continua, em termos europeus, com uma das mais baixas taxas
de qualificação superior em todos os grupos etários, incluindo os mais jovens.
Portugal, no âmbito da estratégia europeia Europe
2020 Strategy for Growth and Employment in Europe, assumiu o compromisso de
atingir em 2020 a taxa de 40% de licenciados na população entre os 30 e os 34
anos. Em 2013 conseguimos chegar aos 29%, um progresso significativo mas
insuficiente e ameaçado. Este cenário retira sustentação à popular ideia de
"que somos um país de doutores", tão perigosa quanto falsa.
Conseguir níveis de qualificação compensa sempre e é
imprescindível. Estudar e conseguir qualificação de nível superior compensa
ainda mais, é um bem de primeira necessidade.
O que acontece verdadeiramente, repito, é termos
desenvolvimento a menos, não é qualificação a mais, é termos um mercado de
trabalho que a cegueira da austeridade e do empobrecimento tem vindo a
proletarizar e precarizar, não estando a absorver, como seria necessário, a
mão-de-obra qualificada.
Não podemos passar a
mensagem de que a qualificação não é uma mais-valia. É um discurso que nos
ameaça o futuro.
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