Quem
lhe passar pela cabeça que os atropelos à vida da esmagadora maioria dos
portugueses perpetrados pela actual maioria de direita no poder são fruto de
pura incompetência, comete um erro monumental. O Governo teve, desde o início,
uma agenda escondida mas bem definida que está a pôr em prática de forma
metódica e sem vacilar. O que Passos e Portas estão a levar a cabo, jamais
poderia ser alvitrado na campanha eleitoral, onde choveu um rol de promessas,
incumpridas, uma a uma, assim como a contagem dos votos terminou e a vitória
ficou assegurada.
A
alienação ao desbarato, de tudo o que estava na posse do Estado e era rentável,
para a iniciativa privada transformar em chorudos negócios, tem dominado toda a
acção deste Governo. O ponto-chave é este. Não vai ficar pedra sobre pedra
nesta fúria privatizadora e de destruição do Estado social. Uma das últimas
iniciativas nesta área é a preparação do caminho para a privatização dos jogos
de fortuna e azar, comandada pelo secretário de Estado do Turismo, Adolfo
Mesquita Nunes e denunciada pela pena de José Vitor Malheiros no Público de
hoje, de onde retirámos o seguinte excerto.
Numa
democracia, todo o processo de produção das leis tem de ser absolutamente
transparente e estar sempre exposto ao escrutínio público. O povo tem o direito
a saber quem propôs uma lei, quem escreveu a proposta, quem foi ouvido para a
sua preparação, que discussão teve lugar, quem defendeu que posição e com que
argumentos, que alterações lhe foram introduzidas durante a discussão, quem a
aprovou, quem votou contra e quem se absteve e com que argumentos, etc.
E
esta transparência não se pode restringir à discussão nos plenários do
Parlamento, que é a parte mais espectacular mas a mais superficial da produção
legislativa. Ela tem de incluir todos os trâmites processuais, incluindo as
posições das inúmeras entidades cuja consulta os deputados considerem necessária
e que deveriam ser sempre disponibilizadas para consulta dos cidadãos, no
dossier de documentos preparatórios que deveria estar disponível nos sites do
Parlamento e do Governo para consulta pública, ao lado de cada diploma em
discussão ou aprovado.
Qualquer
sonegação de informação, qualquer encobrimento habilidoso fere de morte o
processo legislativo e descredibiliza os políticos e, por arrasto, a própria
democracia. É por isso que é sempre particularmente grave ver o mês de Agosto
ou o período do Natal serem aproveitados para "enfiar" à sucapa
algumas leis controversas ou uns concursos destinados apenas a alguns amigos
avisados, enquanto o povo está distraído, em férias e festas. É esse o caso da
FCT, que abre e fecha em Agosto um concurso para bolsas de gestão de ciência e
tecnologia ou, o que é muito mais grave, o caso do decreto da Assembleia da
República de 25 de Julho que "autoriza o Governo a legislar sobre o regime
jurídico da exploração e prática do jogo online".
Na
prática, como já foi denunciado nomeadamente por José Ribeiro e Castro (único
deputado da maioria a votar contra, honra lhe seja feita) este decreto,
contestado por toda a oposição, abre a porta à privatização dos chamados jogos
de fortuna e azar, como a lotaria, o totobola e o Euromilhões, com a desculpa
aldrabona de que é preciso regulamentar o jogo online e que isso
passa pela sua liberalização. É falso, mas o lobby do jogo, que possui muitos milhões para
influenciar vontades, não tem olhado a meios nem a despesas para enfiar esta
cunha através da qual espera conseguir finalmente destruir o monopólio da
Misericórdia de Lisboa e apoderar-se dos seus enormes lucros, que actualmente
alimentam a Segurança Social.
A
iniciativa legislativa que pretende dar ao bandido o ouro da Misericórdia de
Lisboa é do secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes, e a ideia é
simples. O que se pretende é abrir uma excepção no domínio dos jogos de azar,
permitindo a entrada de entidades privadas, de forma a destruir aquela que tem
sido a argumentação do Estado português na União Europeia em defesa do
monopólio do jogo por parte da Misericórdia - o seu objectivo social, a
necessidade de não promover o vício do jogo, etc...
A
actual situação portuguesa é perfeitamente compatível com as regras da UE (ao
contrário do que dizem as vozes seduzidas pelo lobby) mas deixará de
o ser se o próprio Estado abrir uma excepção. O decreto agora aprovado é por
isso um gesto anti-patriótico, que mina uma posição de defesa nacional; um
gesto contra a Segurança Social, que mina uma fonte essencial do seu
financiamento; um gesto contra os pobres, que beneficiam dos serviços da
Misericórdia; e um gesto em favor das grandes empresas de jogo, que assim
conquistam mais uma ferramenta de alienação e de exploração dos trabalhadores.
Uma das portas que o novo decreto abre é, sintomática e tristemente, a
publicidade ao jogo, numa era onde se tenta restringir cada vez mais a
publicidade ao tabaco e ao álcool por razões de saúde pública.
O jovem Adolfo Mesquita Nunes
está orgulhoso porque sabe que, com esta fulgurante medida, a sua carreira
política e o seu futuro estão garantidos. O Governo, por seu lado, exulta, com
mais uma medida que nos vai roubar a todos mais umas centenas de milhões de
euros por ano e enfiá-los no bolso de grandes senhores da finança.
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