Quem
tiver um pouco de paciência e quiser dar-se ao trabalho de pesquisar por toda a
imprensa, blogosfera e redes sociais, poderá notar a proliferação de textos
sobre a inqualificável bagunça que se gerou à volta da abertura do presente ano
lectivo, em especial no que diz respeito à colocação de professores. A situação
da educação, ainda mais que a da justiça, é um tema muito mobilizador da opinião
pública porque em quase todas as famílias há sempre alguém que tem um filho, um
sobrinho, um neto ou mesmo um amigo próximo que frequenta a escola.
Não
encontramos no dicionário um qualificativo suficientemente forte para
adjectivar “o grotesco caos em que o início do ano lectivo se transformou” como
muito bem salienta o Prof. Santana Castilho no excelente texto de opinião que
assina hoje no Público.
Se
tivesse um pouco de respeito pela área governativa que dirige, o único caminho
que restaria ao ministro da Educação era a demissão.
O
grotesco do caos em que o início do ano lectivo se transformou vai do cómico ao
dramático. Sob a tónica da insensatez do desvairado que o dirige, o Ministério
da Educação e Ciência assemelha-se a um manicómio gerido pelos doentes. A
última paciente, a directora-geral da Administração Escolar, decidiu sambar na
cara de milhares de alunos, pais e professores: com a coragem própria dos
cobardes, mandou os directores despedirem os professores anteriormente
contratados. Sim, esses mesmos em que o leitor está a pensar. Aqueles a quem o
ministro Crato (entretanto desaparecido atrás da palavra que não tem) garantiu,
na casa da democracia, que não teriam qualquer espécie de prejuízo quando ele,
ministro incompetente, corrigisse o enorme disparate para que acabava de pedir
a desculpa da nação.
Leio
que são 150 nestas condições. Contratos antes assinados, agora rasgados. Como o
daquela colega de Bragança, colocada em Constância a 12 de Setembro e reenviada
para Vila Real de Santo António a 3 de Outubro. Casa alugada com caução
perdida. Filha a mudar de escola outra vez. Confiança no Estado caída na lama,
a reclamar, pelo menos em nome da decência mínima e última, que algo aconteça.
Porque não se trata da consciência que o ministro não tem. Trata-se da
obrigação republicana de quem o nomeou.
Retomo
o que já anteriormente escrevi. Navegar por entre a teia kafkiana da legislação
aplicável aos concursos de professores é um desesperante exercício de
resistência. Só legisladores mentalmente insanos e socialmente perversos a
podem ter concebido, acrescentando sempre uma nova injustiça à anteriormente
perpetrada. Leiam as 1347 páginas das listas de subcritérios, agora tornadas
públicas, verdadeiro hino à liberdade de disparatar, e ousem dizer-me que não
tenho razão.
Os
concursos de professores tornaram-se coreografias sinistras, danças macabras de
lugares para despedir docentes. É isso que está em causa. Não as reais
necessidades das escolas, muito menos as do país vindouro.
A
distorção nas representações sobre as condições de exercício da profissão
docente, ardilosamente passada pelo Governo para a sociedade em geral, atingiu
o limite do suportável e ameaça hoje a própria integridade profissional dos
professores, que não se têm afirmado suficientemente vigorosos para destruir
estereótipos desvalorizantes. Com tristeza o digo, mas a classe dos professores
manifesta-se cada vez mais como uma classe de dependências. E quem assim se
deixa aculturar, dificilmente compreenderá o valor da independência e aceitará
pagar o seu custo.
Quando
o Papa proclama, em boa hora, que não há mães solteiras, mas tão-só mães, nós,
classe docente desunida, demoramos, primeiro, e somos inconsequentes, depois, a
dizer que não há professores de primeira e professores de segunda, mas tão-só
professores. Caímos na armadilha de calar as aspirações legítimas de uns com o
retrocesso das aquisições de outros, contentes por termos evitado o vandalismo
maior que o Governo projectava para todos. Enquanto isto, a colega de Bragança
enche o carro com as tralhas de mais uma mudança de casa e ruma a Vila Real de
Santo António, engolindo a raiva. Sem que uma solidariedade operante, atempada,
impeça que a calquem.
O
que este Governo mudou no sistema de ensino português terá consequências cujo
alcance não está a ser percebido pela maioria dos portugueses. Mas há um
universo, o dos professores, que se assume como espectador num processo em que
é actor. Por omissão, concedo. Com gradientes diversos de responsabilidade,
volto a conceder. Mas com o ónus global de não dizer não. Um não veemente
quanto necessário para pôr cobro aos dislates de uma política que nos reconduz
ao passado e nos recusa o futuro. A crise financeira e económica não justifica
o pacifismo reinante face à crise da democracia. Os sindicatos, as associações
profissionais, os directores de escola e os professores, pese embora o que têm
feito, o que dizem e escrevem, acabam por ser espectadores num processo em que,
historicamente, serão julgados como actores. Actores de uma tolerância
malquista, que vai poupando a besta que não os poupa.
A arrogância, o ódio aos
professores, a ignorância sobre a realidade do sistema educativo e das escolas
e a impreparação política e técnica são os eixos identificadores daquilo que
poderemos designar por bloco central de governo da Educação da última década. Se
apelarmos à memória, salta à vista a convergência ideológica entre Maria de
Lurdes Rodrigues e Nuno Crato, relativamente ao papel dos professores. Uma ou
outra divergência quanto a processos não apaga o essencial. Do outro lado da
barricada, a classe dos professores não interiorizou, enquanto tal, a dimensão
política da sua profissão. E, em momentos vitais das lutas a que tem ido,
soçobrou por isso.
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