Ao
longo de toda a sua existência, o Governo Passos/Portas tem levado o tempo a
lançar mão de “expedientes reles” para tentar manipular a opinião pública.
Mesmo assim, os números não enganam relativamente aos efeitos da austeridade
sobre a situação do país. Entre 2010 e 2014 verificou-se um aumento da dívida
(pública mais privada) na ordem dos 46% do PIB cifrando-se o serviço dessa
dívida em números astronómicos.
Seguindo
a lógica dos últimos anos, o Orçamento do Estado (OE) para 2015 vai ficar
marcado, mais uma vez, pelo aumento da carga fiscal.
Relativamente
à Educação, verifica-se um corte de 11,3% – mais de 700 milhões – que o
ministro Crato, de forma anedótica, quer transformar em 200 milhões, sem
explicar como.
No
texto de opinião que hoje assina no Público, o Prof. Santana Castilho tece fortes
críticas ao OE 2015, abordando de forma especialmente contundente a área da
Educação, como podemos ler a seguir.
Todo
o dinheiro que a austeridade da troika e deste Governo retirou ao
funcionamento da economia, à saúde, à educação e ao bolso dos portugueses,
28.000 milhões de euros, foi, quase na íntegra, para pagar o serviço da dívida,
numa evidência gritante de que a austeridade nada resolveu do problema que
queria resolver.
Dados
do Boletim
Estatístico do Banco de Portugal mostram que, entre 2010 e 2014, a
dívida conjunta, pública mais privada, cresceu 46,1 pontos percentuais por
referência ao PIB, cifrando-se agora na assustadora expressão de 767.226 milhões
de euros. A dependência de Portugal relativamente ao estrangeiro aumentou
drasticamente pela mão da troika e de Passos, o mercador dos nossos anéis.
Entre o que Portugal já vendeu ou vai vender a preços de saldo, recordo:
Espírito Santo Saúde, HPP Saúde da CGD, Tranquilidade, Fidelidade, BPN, Banco
Espírito Santo, agora Novo Banco, Cimpor, EDP, REN, ANA, CTT, TAP e PT.
Com
este pano de fundo, o orçamento é marcado, mais uma vez, pelo aumento da carga
fiscal. É socialmente injusto: limita de novo as prestações sociais e mantém a
sobretaxa de IRS (dita extraordinária mas de facto perene) enquanto diminui o
IRC, por forma a beneficiar apenas as grandes empresas. A solução encontrada
(projectar para 2016 uma hipotética redução da sobretaxa, desde que a cobrança
do IVA e do IRS cresçam acima de 6%), para além de ilegal (as disposições
orçamentais têm efeito exclusivo para o ano a que respeitam), é um expediente
reles com que se tenta manipular a opinião pública. O aliviar de sacrifícios
(reformados e funcionários públicos) impõe que não se esqueça o óbvio: o mesmo
Governo que fez ponto de honra da necessidade de cumprir os compromissos e as
dívidas para com estrangeiros, desonrou os compromissos que tinha para com os
portugueses, deixando de lhes pagar o que com eles havia contratado. E se agora
corrige parcialmente a imoralidade da sua política (ainda assim com o rancor
que transparece do que escreveu nos documentos que cito) é porque a tal foi
obrigado pelo Tribunal Constitucional. O orçamento está aferrolhado para apoiar
as pequenas e médias empresas, mas escancarado para engolir os prejuízos do
BES. O orçamento é deliberadamente mentiroso: ao mesmo tempo que o motor da
economia europeia, a Alemanha, corrige a previsão de crescimento para 2015 de
2,0% para 1,3%, o Governo tem a lata de construir as suas contas a partir do
pressuposto de crescermos 1,5%.
Mas
há lata maior. A “esclarificação” com que Crato nos brindou sobre o Orçamento
do Estado para 2015 reconduziu-me ao Bocage boémio: o corte que aquela senhora
deu, não foi ela, fui eu! É preciso topete para querer transformar 704,4
milhões de euros de corte orçamental na Educação (-11,3%) nos 200 milhões
saídos da lógica anedótica do ministro. À brincadeira de Nuno Crato opõem-se
578 páginas de realidade: 278 de orçamento e 300 da proposta de lei que o
aprova. Algumas pérolas aí escritas evidenciam a mistificação que envergonharia
pessoas decentes. Mas não o Governo, muito menos Nuno Crato. Na página 172,
quando explanam as políticas que o orçamento serve, os mistificadores voltam
com a lengalenga de ser “a melhoria dos índices de qualificação da população
factor determinante para o progresso, desenvolvimento e crescimento económico
do país”. Eles, que reduziram os complementos educativos no ensino não-superior
em 47,6 %. Eles, que cortaram 68,8% aos serviços de apoio ao ensino superior.
Na mesma página, escrevem estar firmemente empenhados “em melhorar os níveis de
educação e formação de adultos”. Eles, que cortaram 38,6% do financiamento ao
sector. Na página seguinte apontam como objectivo estratégico “garantir o
acesso à educação especial, adequando a intervenção educativa e a resposta
terapêutica às necessidades dos alunos e das suas famílias”. Eles, que cortaram
o financiamento deste sector, onde se incluem deficientes profundos, em 15,3%,
removendo sistematicamente, serviço após serviço, as respostas especializadas
antes existentes. Tragam estes mistificadores um só pai, uma só mãe destas
crianças com necessidades educativas especiais, um só professor da área, a
desmentir o que afirmo e a concordarem com o Governo. E o despudor atinge o
clímax quando destacam como medidas justificativas do orçamento a “consolidação
da implementação das metas curriculares”, esse expoente superior do refinado
“eduquês” inferior. Para o leitor menos familiarizado com o tema, adianto que,
apenas no que toca ao 1.º ciclo do ensino básico, e se nos ficarmos pelas duas
áreas mais badaladas do currículo, Português e Matemática, estamos a falar de
177 objectivos desdobrados em 703 descritores. Qual cereja em cima da
imbecilidade, deixo-vos duas dessas metas:
"-
Reunir numa sílaba os primeiros fonemas de duas palavras (por exemplo 'cachorro
irritado') cometendo poucos erros.
-
Ler correctamente, por minuto, no mínimo 40 palavras de uma lista de palavras
de um texto apresentadas quase aleatoriamente."
Sim, leram
bem! Está lá quase aleatoriamente.
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