Numa
altura em que chega ao nosso conhecimento que estão projectadas ainda para este
ano perfurações ao largo de Aljezur, com vista à prospecção de petróleo na
costa portuguesa, muitas organizações ambientais e cada vez mais cidadãos estão
a tomar conhecimento dos perigos que esta prática acarreta para a vida das
populações afectadas, sem que, em contrapartida obtenham qualquer benefício
seja de que espécie for. É uma colossal ilusão que está a ser impingida às
populações a história no sentido de uma suposta riqueza de que venham a
beneficiar das eventuais concessões da prospecção de petróleo. A realidade é,
no entanto bem diversa, uma vez que a quase totalidade dos lucros da exploração
do petróleo vai direitinha para os cofres das empresas concessionárias e seus
accionistas.
Vem
muito a propósito a história, quase esquecida do que aconteceu há mais de duas
décadas no Equador e cujo fim ainda não se conhece, envolvendo a petrolífera
norte-americana Chevron, recordada em artigo de opinião que assina no “Público”
de hoje a estudante de jornalismo Maria Moreira Rato e que reproduzimos a
seguir.
A 26 de abril de 1986, após o desastre de Chernobyl,
Mikhail Gorbachev afirmou: “Todos sabem que houve um erro inacreditável.” Será
que esta e outras tragédias podem e devem ser reduzidas à palavra “erro”? Esta
questão é colocada em cima da mesa numa época em que o Equador tenta não
sucumbir às consequências nefastas da exploração do ouro negro.
As tribos Cofán, Siona, Secoya, Kichwa e Huaorani
viviam estilos de vida calmos e praticamente intocados pela civilização moderna
quando, na região oriental do Equador, onde os rios San Miguel e Putumayo se
encontram, a Texas Company Petroleum (Texaco) usou como pretexto a descoberta
de petróleo em Lago Agrio para desestabilizar o quotidiano das populações
indígenas locais.
Na década de 60 do séc. XX, os equatorianos não
imaginavam o que os esperava quando os trabalhadores da Texaco se mudaram para
a cidade de Lago Agrio (ou Lago Sour, em homenagem a Sour Lake, sede da Texaco)
e o Governo não tinha grandes luzes acerca daquilo que aconteceria: nunca havia
sido explorado petróleo na Amazónia com sucesso. No entanto, a ingenuidade dos
governantes, aliada à ganância descontrolada dos empresários, permitiu que a
Texaco utilizasse práticas modernas e tecnologia de perfuração emergentes nos
EUA, mas que violavam as leis ambientais vigentes.
De Texaco a Chevron, a multinacional norte-americana
de energia nunca deixou de escolher o lucro em detrimento das pessoas, e, deste
modo, a destruição da floresta amazónica e a degradação ambiental cresceram. Se
pensarmos em Manhattan, podemos considerar que a área de floresta que cobre
Lago Agrio corresponde ao triplo da dimensão do borough nova-iorquino.
Nessa área, a Chevron construiu 350 poços de petróleo e, ao abandonar o país em
1992, deixou para trás cerca de mil poços repletos de petróleo bruto que acabou
por vazar para os lençóis freáticos ou transbordou durante chuvas fortes,
poluindo rios e riachos dos quais dezenas de milhares de pessoas dependem para
beber, cozinhar, tomar banho e pescar.
De outros efluentes tóxicos foi feito este flagelo: a
Chevron despejou mais de 18 mil milhões de litros de água produzida (um
subproduto de perfuração petrolífera) nos rios, sendo que, no auge das
operações, despejava quatro milhões de litros por dia, prática proibida em
estados norte-americanos como o Louisiana, a Califórnia e até mesmo aquele de
onde a Chevron é oriunda, o Texas. Através destas ilegalidades, estima-se que a
empresa tenha poupado três dólares por cada barril de petróleo produzido.
Será que valeu a pena? Esta contaminação provoca
cancro, defeitos congénitos, abortos espontâneos e outras doenças a 30 mil
equatorianos há 25 anos. Para aqueles que conheciam a floresta intimamente e
viviam dos recursos que ela lhes oferecia há gerações, a pobreza, as doenças e
o empobrecimento cultural compõem hoje os elementos com os quais se confrontam
diariamente.
As vítimas do legado tóxico da Chevron quebraram o
silêncio em 1993 quando apresentaram pela primeira vez uma ação coletiva contra
a empresa, iniciando um julgamento histórico que ainda decorre em Lago Agrio:
este caso é inédito, sendo que foi a primeira vez que os EUA enfrentaram um
país estrangeiro – como réus – num julgamento acerca de crimes ambientais. A
repercussão de uma vitória equatoriana serviria de aviso a muitas corporações
espalhadas por todo o mundo, resultando em ondas de choque que difundiriam a
ideia de que preservar os direitos humanos e esquecer os abusos ambientais é o
caminho a seguir.
Felizmente, há quem não cruze os braços e se mantenha
atento, como a equipa do blogue Amazon Watch, que, com o lema “Proteger
a Amazónia e o nosso clima”, promove a proteção da floresta tropical e a defesa
dos direitos de quem habita na bacia amazónica, para além de realizar campanhas
pela responsabilidade corporativa e apelar à justiça climática, desde 1996.
Como resposta a este meio de comunicação amador, surgiu o The Amazon Post,
fundado pela Chevron com o objetivo de “mostrar que os advogados por trás do
caso violaram as leis federais de extorsão, cometendo fraudes por
correspondência, lavagem de dinheiro, adulteração de testemunhas e obstrução à
justiça”, pretendendo evidenciar a “fraude desenfreada que ocorreu”.
Fraude? Será que o facto de os tribunais equatorianos
terem considerado a Chevron culpada e a terem condenado a pagar 9,5 mil milhões
de dólares às vítimas desta tragédia é uma fraude? Será que a Chevron se recusa
a participar na limpeza da floresta porque tudo constituiu uma fraude?
Mantendo o caso abafado e sem a pressão internacional,
a Chevron esforça-se por criar uma imagem errada do Equador, recorrendo a
técnicas enganosas de amostragem em estudos científicos de contaminação, a campanhas
sujas onde inventa um falso escândalo de corrupção e até à publicação de
notícias sobre Steven Donziger, advogado norte-americano que defende as tribos
afetadas desde 1993.
“Até que o inferno congele” – foi esta a última frase
proferida pelos representantes da Chevron em tribunal, em 2011, afirmando que
só deixariam de evocar a verdade desta ação judicial quando o inferno
congelasse. Mas o inferno tem existido na vida dos equatorianos e escalado
desde 2011, ano em que a Chevron deu uso ao The Racketeer Influenced and
Corrupt Organizations Act, acusando Donziger, Pablo Fajardo (advogado
equatoriano), Luis Yanza (líder da comunidade de Lago Agrio) e outros 47
envolvidos no caso de penalidades criminais prolongadas e atos praticados como
parte de uma organização criminosa, ordenando o pagamento de uma indemnização
de 60 mil milhões de dólares.
Volvidos três anos, Lewis Kaplan (advogado do Distrito
Federal de Nova Iorque) emitiu um parecer onde aceitava as alegações da Chevron
e afirmava ter descoberto que Donziger e outros membros da equipa jurídica
tinham corrompido o caso equatoriano ao submeterem provas fraudulentas,
coagirem o juiz e pagarem a um especialista supostamente imparcial e a uma
perita do Colorado que falsificara o relatório de danos ambientais. Contudo,
Donziger e os seus colegas não aceitaram este veredito e batalharam pela
justiça, provando que a Chevron pagara dois milhões de dólares a uma testemunha
para que mentisse no depoimento.
Comparar a catástrofe de Chernobyl com a de Lago Agrio
não é só possível como imperativo: a Central Nuclear de Chernobyl estava sob a
jurisdição direta das autoridades centrais da União Soviética, enquanto a
exploração de petróleo em Lago Agrio foi feita pela Chevron; em Chernobyl, uma
explosão e um incêndio conduziram ao lançamento de quantidades elevadas de
partículas radioativas na atmosfera, enquanto, no Equador, existiram efluentes
tóxicos oriundos da produção petrolífera – mas ambos provocam efeitos a longo
prazo (como cancro e deformidades).
Torna-se óbvio que Lago Agrio é a
Chernobyl da América Latina, mas é urgente terminar com a impunidade da
Chevron: porque a inércia e apatia internacionais não são percetíveis apenas
nesta ação judicial mas em todas as situações onde a sede de poder e influência
económica e política falam mais alto que a capacidade de eliminar a indiferença
e conservar a dignidade humana.
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