É
público e notório o fraco empenho que este Governo tem evidenciado na defesa do
Serviço Nacional de Saúde (SNS). Todos os dias a comunicação social se faz eco
das queixas dos utentes relativamente às prestações do serviço público de saúde
sem que com isso o Governo evidencie uma significativa vontade de alterar o
actual estado de coisas. Há, até, uma certa clareza que vai no sentido do
encobrimento das deficiências cada vez mais óbvias com que se confronta o já
degradado SNS. A direita exulta com esta situação porque pensa que ela lhe traz
fortes dividendos políticos e faz engordar o negócio da saúde e muita gente
dentro do PS ajuda à festa como se pode depreender pela acção do Governo. Não
tenhamos a mais pequena dúvida de que é a esquerda à esquerda do PS que mostra
um real empenhamento na defesa de um SNS forte e actuante.
Os
problemas com a implementação da aplicação do horário das 35 horas ao sector
público da saúde são um exemplo significativo do fraco interesse do Executivo
na protecção do SNS. É á volta desta situação que gira o artigo de opinião
assinado pelo médico e professor de Saúde Pública, Cipriano Justo, que veio à
estampa na edição de 10 de Julho do “Público”.
Há mais de dois anos, precisamente em 1 de Julho de
2016, que foi publicada a Lei 18/2016, entrando imediatamente em vigor, tendo
ficado estabelecido “as 35 horas como período normal de trabalho dos
trabalhadores em funções públicas, procedendo à segunda alteração à Lei Geral
do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de
Junho”. A qual indica que “o empregador público deve planear para cada
exercício orçamental as atividades de natureza permanente ou temporária, tendo
em consideração a missão, as atribuições, a estratégia, os objetivos fixados,
as competências das unidades orgânicas e os recursos financeiros disponíveis”.
Tendo aquele regime de horário de trabalho começado a ser aplicado à totalidade
dos profissionais de saúde em 1 de Julho de 2018, houve tempo suficiente, mais
precisamente dois anos, para analisar os efeitos da passagem das 40 para as 35
horas e para se proceder ao planeamento do que havia para planear, no caso a
contratação do equivalente à diferença entre aqueles dois regimes horários. O
dinheiro não dá para tudo? Faça-se o exercício da hierarquização das
prioridades. Mesmo assim, a saúde ficou a meio da tabela, numa escala, vá lá,
de 0-10? Tirem-se as consequências políticas porque há responsáveis políticos.
Ficar-se à espera dois anos para responder aos défices
anunciados e suficientemente conhecidos, mau grado as proclamações quase
diárias de contratações, é um acto inqualificável. As primeiras páginas dos
jornais e a comunicação social em geral passaram a ser o espelho da constante
degradação em que os serviços públicos de saúde se encontram. As ordens
profissionais e os sindicatos do sector não param de criticar e de se opor ao
que se está a passar no SNS. Os partidos de esquerda exigem constantemente a
presença da tutela na Assembleia da República para lhes darem explicações sobre
o que se está a passar no sector. A direita exulta e esfrega as mãos na
expectativa de retirar dividendos eleitorais. A síntese desta situação é uma
jóia feita em estilhaços.
E
no entanto isto não tinha de acontecer. Bastava que este governo tivesse vestido
a camisola do Serviço Nacional de Saúde. A diferença equivale a alguns mil
milhões de euros pagos pelo orçamento do SNS às empresas privadas de prestação
de cuidados de saúde pela transferência de utentes para as suas unidades. Os
quais deviam ser utilizados no serviço público se fosse essa a camisola que o
governo tivesse decidido vestir desde que tomou posse. Porém, foi deixando que
a falta de vontade política tomasse conta do sector, sempre com o argumento dos
compromissos, do défice e da dívida para satisfação da teoria dos dois
hemisférios, tipo pataca a mim pataca a ti, até ao dia em que as patacas fiquem
todas do mesmo lado. Já não se trata de irresponsabilidade, trata-se da
intencionalidade à solta, favorecendo as peças do outro lado do tabuleiro.
Aqui fica registado, por isso, o
desafio ao primeiro-ministro, o mesmo que rubricou os acordos com o BE, o PCP e
o PEV, e que nas suas palavras deseja ver repetida, se não o conteúdo, mas pelo
menos a fórmula que na altura se conseguiu alcançar, para colocar o dossier da
saúde pelo menos entre as três prioridades para as quais é necessário encontrar
uma solução, e desde já uma linha de orientação.
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