Numa
altura em que os responsáveis governativos evocam a falta de dinheiro para
justificar os cortes orçamentais na área da educação e se volta a montar uma
brutal campanha contra os professores por se querer incutir na opinião pública
a sua responsabilidade por um incomportável aumento das despesas do Estado
quando se pretende apenas que seja feita uma inquestionável justiça; numa
altura em que o sector público da saúde rebenta pelas costuras por via das
enormes restrições orçamentais a que está sujeito, para mencionarmos apenas as
áreas da administração pública que mais mencionadas estão todos os dias pela
comunicação social, eis que, quase por acaso, nos chegam ao conhecimento colossais
valores dos benefícios fiscais concedidos a um reduzido número de empresas que
impedem a chegada aos cofres públicos de muitos milhares de milhões de euros. É
isto que podemos deduzir da leitura do seguinte texto, um artigo de opinião
assinado por Susana Peralta no “Público” de ontem.
Em Março de 2009, a Lei 10/2009 criava a “Iniciativa
para o Investimento e Emprego“ que incluía o “Regime Fiscal de Apoio ao
Investimento”. Este permite que as empresas deduzam da sua coleta de IRC um quinto
do valor investido, até 5 milhões de euros de investimento, e um décimo para
valores superiores. O crédito fiscal não pode exceder metade do IRC de um
determinado ano, mas o montante pode ser utilizado nos quatro seguintes para
diminuir a carga fiscal.
A Iniciativa para o Investimento e Emprego tinha o
objetivo, porventura ambicioso, de “promover o crescimento económico e o
emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do
país, das qualificações dos portugueses, da independência e da eficiência
energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão
social”.
Talvez inspirados por este parágrafo, junto com dois
colegas – Ana Gouveia, do Banco de Portugal, e Miguel Ferreira, da Nova School
of Business and Economics – decidimos analisar os efeitos deste regime fiscal.
Num gesto invulgarmente transparente em Portugal, a Autoridade Tributária
disponibiliza no seu site uma lista das empresas com benefícios fiscais acima
de 1000 euros, para os anos de 2010 a 2016 – uma folha de Excel por ano,
com uma linha por beneficiário. Cara leitora e caro leitor, peço-lhe paciência
para os dois parágrafos que se seguem.
Em 2010, houve 183 empresas que receberam mais de 1000
euros, totalizando cerca de 37,5 milhões. Imaginamos 183 pequenas e médias
empresas do país, com ajuda para melhorarem equipamento, comprarem um terreno,
adquirirem uma patente. Desenganemo-nos! Destes 37,5 milhões, pouco mais de 29
foram para apenas nove empresas: Bosch Security Systems, Efacec, Secil,
Lusitaniagás, Bosch Car Multimédia, Vodafone, Zon, Portugal Telecom e Portucel.
Juntando as duas irmãs Bosch, concluímos que apenas a Efacec obteve menos de um
milhão, indo o óscar para a Portucel, com 10,5 milhões de crédito fiscal.
Podemos pensar que isto aconteceu porque, estando o
programa no seu início, as empresas de menor dimensão ainda não tinham
percebido as suas potencialidades. Mas não. Em 2011, o total de apoios baixou
ligeiramente, para cerca de 32 milhões, dividido por 242 empresas, com cerca de
24 milhões concentrados em 11, com bis para Lusitaniagás, Efacec, Zon, PT,
estreia para Vodafone, Mabor Pneus e Corticeira Amorim e a Portucel a ser, de
novo, a maior beneficiária. Em 2012, de 34,5 milhões distribuídos por 317
empresas, 22,5 vão para 14. Voltamos a encontrar Bosch, Zon, Corticeira Amorim,
Mabor, Zon e Vodafone. De novo, a Portucel fica com o maior apoio. Nos anos
seguintes, o total de benefícios aumentou, o que não é de estranhar, dado que o
país começava a ultrapassar o pior período da crise. Em 2016, há 1877
beneficiárias, com 133 milhões de euros de apoio ao investimento. Sem surpresa,
cerca de um terço do montante foi para apenas 15 empresas: a Nos (no lugar da
Zon), a Corticeira Amorim, a Bosch e a Mabor voltam a estar na lista de
contemplados. Já agora, para o caso de estar admirada pela ausência de um dos
suspeitos do costume, a EDP foi a empresa que mais beneficiou deste apoio
fiscal, com um total de 50 milhões de euros entre 2013 e 2015. Segue-se a
Portucel, com 35 milhões de euros ao longo dos anos.
Esta
concentração de apoios nos suspeitos do costume foi objeto de um artigo no Expresso de sábado, sobre os incentivos à inovação do
Portugal 2020, dos quais, curiosamente, o maior beneficiário é a Navigator...
do grupo Portucel! Segundo a notícia, a Comissão Europeia quer impedir os
apoios estatais às grandes empresas que, em muitos casos, operam em sectores
pouco competitivos. A partir de 2030, apenas as PME poderão ser auxiliadas.
O outro nome dos benefícios fiscais é
“despesa fiscal”. Tem a vantagem de deixar claro que este dinheiro, ao não
entrar nos cofres do tesouro, é um custo para os contribuintes. Na ausência de
uma cultura de avaliação legislativa séria em Portugal, sugiro um critério
simples para avaliar a despesa fiscal: “Será que a EDP teria feito na mesma o
investimento, na ausência deste apoio de 50 milhões?” Se a resposta for sim,
senhoras e senhores legisladores, é provável que os contribuintes não queiram
pagar por ele. Pensem nisto quando a Comissão Europeia vier fechar a torneira
aos felizes contemplados do jackpot
do regime.
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