O
perfil de Ricardo Robles que Maria Lopes traça no “Público” de hoje talvez
contribua para explicar uma parte das violentas críticas de que o ex-vereador
do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa tem sido alvo e que conduziram à sua
demissão do cargo que ocupava na autarquia. O poder de forças poderosas que
Robles em particular e o Bloco em geral denunciam fazem deles alvos altamente
apetecíveis num momento em que supostamente terão revelado alguma incoerência entre
o que defendem e o que praticam. “Supostamente” porque Robles não é seguramente
um especulador imobiliário e porque os verdadeiros especuladores imobiliários
acabam por ficar na penumbra de toda a campanha que tem sido orquestrada.
Estamos
perante um exemplo do muito que poderá vir a acontecer a forças democráticas e
de esquerda que venham a terreiro enfrentar interesses poderosíssimos armados
apenas com a sua palavra contra o poder de comunicação dos meios agora
dominados pela direita mais radical.
Trinta e oito semanas e meia depois, o acordo assinado
entre o presidente da Câmara de Lisboa e o vereador eleito pelo Bloco de
Esquerda, que permitiu a Ricardo Robles receber o pelouro da Educação e Áreas
Sociais e a Fernando Medina chegar à maioria absoluta, vai conhecer outro
protagonista. Embora saia por causa da habitação – para a qual tinha também uma
lista de compromissos que até envolviam a pasta do alojamento local –, foi
sobretudo na educação que Robles conseguiu deixar uma marca nestes quase nove
meses de meia “geringonça” autárquica em Lisboa.
A poucos dias do Natal, Robles conseguiu que o
executivo municipal aprovasse a gratuitidade dos manuais escolares (os livros
de estudo no 2.º e 3.º ciclos; os livros de fichas no 1.º ciclo) para todos os
alunos até ao 9.º ano das escolas do concelho para o ano lectivo que agora
terminou, o que será estendido ao 12.º ano já a partir de Setembro. A educação
e as áreas sociais eram o seu pelouro, mas para conseguir o apoio bloquista –
perante as costas viradas pela CDU, que elegeu dois vereadores – Fernando
Medina teve que assinar compromissos também em matérias de habitação que
extravasam as questões sociais, apesar de ter já uma vereadora socialista com
essa pasta. Como foi o caso do Programa Renda Acessível em prédios públicos,
que previa a disponibilização de 3000 fogos durante o mandato e que já lançou
250 apartamentos; ou a oferta de mais residências universitárias (400 camas por
ano), de que já estão previstos mais 226 quartos.
Esta aposta na educação e na habitação não será
estranha ao percurso de Ricardo Robles, engenheiro civil formado no Instituto
Superior Técnico. Ali pertenceu ao Fórum Civil, a associação de estudantes de
engenharia do IST que deixou de ser representada por um presidente para ter uma
direcção colectiva – onde é que já ouvimos isto na cúpula do Bloco? Nessa
direcção de Robles, as praxes em Civil no Técnico perderam o pendor de
violência e abuso e tiveram um perfil de maior integração dos caloiros; e
endureceram as lutas contra as propinas. Mas a sua militância estudantil
começou antes: andava no 8.º ano quando se juntou aos protestos anti-PGA, que
só os alunos do 12.º ano faziam.
Nascido
em Almada, passou parte da infância, entre os seis e os dez anos, nos Açores,
na ilha de Santa Maria, para onde o pai, militar, foi destacado. A adolescência
passou-a depois no Seixal, onde se começou a fazer político – os pais não eram
militantes mas contribuíram para a sua consciência de esquerda. As preferências
por Matemática e Física fizeram-no ingressar no IST, o Erasmus levou-o a
Copenhaga, onde participou num projecto sobre desenvolvimento sustentável que
implicava a recuperação de um quarteirão da cidade. Ainda aluno universitário,
integrou a candidatura autárquica Esquerdas Unidas por Lisboa, a coligação
entre o PSR e a Política XXI. Foi com a facção PSR que se tornou fundador do
Bloco de Esquerda e foi dirigente da organização concelhia de Lisboa desde
2005. Nos últimos 20 anos participou em protestos internacionais do G8, em
diversos fóruns sociais europeus e mundiais.
A
experiência de Copenhaga haveria de moldar a sua maneira de olhar as cidades e
de as pensar – com mais gente, com maior aproveitamento dos espaços, mais
eficiência energética, por exemplo. É-lhe reconhecida a sua capacidade de
organização e motivação mas também de mostrar trabalho feito. Era o que fazia
amiúde nas redes sociais – as mesmas que agora o condenam desde sexta-feira.
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