Desde
sempre foi prática do Bloco de Esquerda dar voz e defender minorias. É nesse
seguimento que aqui fica este artigo de opinião relativo à situação dos
cidadãos bissexuais que transcrevemos do “Publico” de hoje, assinado por Mafalda
Gomes, terapeuta da mensagem, actriz e activista pelos direitos LGBTI, com o significativo
título Será que já se vê o B de LGBT?.
Hoje sinto necessidade de escrever sobre a
visibilidade da causa bissexual porque apesar de a comunidade bi ter alcançado,
a 16 de Junho, na Marcha do Orgulho LGBTI de Lisboa, um marco histórico nunca
atingido neste país, ainda assim a letrinha B continuou a ser invisível durante
todo o processo.
Estive na 19.ª Marcha
do Orgulho LGBTI+ de Lisboa e tive a honra de marchar no primeiro
Bloco Bi alguma vez visto na capital portuguesa. O Bloco Bi fez oficialmente
parte desta marcha, tendo especial destaque mesmo lá na frente, munido com um
bandeirão, palavras de ordem e um manifesto que foi lido no final sob o aplauso
de todas as pessoas presentes que, de forma eufórica e emocionada, receberam as
palavras que lhes foram dirigidas.
Foi um momento muito intenso. Sinto-me grata enquanto
pessoa bissexual pelo trabalho da organização da marcha e, em particular, pelas
pessoas que contribuíram para que o Bloco Bi fosse possível. Não obstante,
no dia a seguir a toda esta euforia, a invisibilidade tornou a bater à porta.
Naveguei pelas redes sociais, vasculhei textos e imagens apenas para encontrar
informação muito pouco satisfatória neste sentido. Contam-se pelos dedos as
fotografias tiradas ao Bloco Bi e no que toca aos órgãos de comunicação
social fora da comunidade LGBT+ a informação que encontrei foi zero.
Nada. Uma linha que fosse.
Se me perguntarem quem é que se deveria
responsabilizar por esta falta de visibilidade, de facto existem muitos dedos a
apontar. Não é como se variadíssimos meios de comunicação social não tivessem
estado lá. Não é como se imensas pessoas das mais diversas entidades não
estivessem estado lá a rodear o Bloco Bi com as suas câmaras e sorrisos.
Estiveram e todos testemunhamos. A presença dos media deixa-me ainda mais
intrigada relativamente à ausência de qualquer tipo de referência textual.
Essas fotos e sorrisos de todas essas entidades fazem-me
sentir, enquanto bissexual, a criatura mitológica que as pessoas vão fotografar
porque, de facto, a sua aparência é tão rara. São giros, são fofos, são uma
espécie em vias de extinção, coitadinhos.
Não. Não somos. Na verdade somos imensos, cansados de
viver na sombra de uma invisibilidade tremenda e que nos vai abafando mais e
mais no nosso dia-a-dia. Os jovens bissexuais sofrem na escola, enquanto
crescem, confusos com a ideia de que serão obrigados, mais cedo ou mais tarde,
a escolher entre a heterossexualidade e a homossexualidade.
As mulheres bissexuais sofrem porque, dia após dia,
são fetichizadas pelos homens. É isso que somos para eles: um sonho de um
filme pornográfico tornado realidade.
Os nossos pais não compreendem o conceito de bissexual
porque simplesmente não se ouve falar disso. Conhecem apenas o que passa na
televisão e olham-nos como causas perdidas, como a definição de promiscuidade,
como drogados à procura de engate de bar em bar, como doentes, como pessoas
perdidas na vida. Quando lhes dizemos que somos bissexuais eles choram, choram
porque é isso que eles pensam de nós. Porque é isso que a invisibilidade bi
lhes ensina.
Os nossos amigos acham que somos confusos. Acham que
passamos a vida a sofrer desgostos de amor e como tal não nos contentamos com
nada nem com ninguém. Coitadinhos de nós, os eternos insatisfeitos que não
conseguem ser uma coisa nem outra. Somos postos de lado, incompreendidos,
isolados por uma coisa que não é uma escolha mas que ainda se discute como tal.
Queremos ser sinceros com os nossos médicos e ser
tratados como qualquer outro utente que os visita, mas o que recebemos como
receita é olhares de julgamento.
Queremos ser sinceros com os nossos psicólogos, mas
quando lhes dizemos que somos bissexuais eles consideram que esse é o motivo de
todas as nossas preocupações e problemas. Que apenas nos sentimos deprimidos e
sós porque não sabemos ainda o que queremos no que diz respeito à nossa
sexualidade.
Existem inúmeros exemplos reais destas situações. As
fotografias, os sorrisos. Foi tudo muito bonito. Nenhum dos jornalistas
presentes se dirigiu ao Bloco Bi para dar visibilidade à primeira presença na
Marcha de Lisboa. Auscultar uma comunidade que precisa de visibilidade é a
única forma de perceber por que é que sente necessidade de se sentir
representada numa marcha. Essa auscultação não aconteceu e isso tem de mudar.
São 19 anos à espera desta mudança, de intervenções eficientes que quebrem este
isolamento. Já está mais do que na altura de se dirigirem à comunidade
bissexual para terem uma noção real da sua luta.
Eu não sou comunicação social, tampouco jornalista. Eu
costumo escrever apenas para o meu blogue. Quis apenas deixar aqui um recado
importante para quem ainda não entendeu a sua importância.
Por favor,
entendam-na de uma vez.
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