Paulatinamente
mas sem recuos, temos vindo a assistir à degradação dos serviços públicos tanto
na área da saúde como na da educação, mas há outros. Há que reconhecer que tudo
isto tem a ver com o domínio das políticas neoliberais nos diversos sectores da
sociedade portuguesa. Nem mais num nem mais noutro pois tudo segue em paralelo,
como, aliás, é dos livros.
No
que diz respeito à educação, são aproveitados todos os pretextos para mais uma
machadada no ensino público pese embora haver muita gente a lutar em sua
defesa. Mas, a realidade é que esta luta é muito desigual porque deste lado da
barricada as armas são muito mais fracas do que as daqueles que querem ver as
escolas públicas destinadas apenas aos pobres, na mesma linha de raciocínio do que
se pretende em relação ao Serviço Nacional de Saúde.
O
texto que reproduzimos a seguir é assinado no “Público” de hoje por Manuel
Alegre, onde o poeta e ex-deputado do PS se insurge contra o actual estado de
coisas, nomeadamente na área da educação. Qualquer pessoa de esquerda
subscreveria este artigo de opinião mas a verdade é que Alegre, tal como
noutras ocasiões não passa das palavras aos actos ficando-se apenas pela
retórica, ainda que tenha razão. Não seria má ideia que tomasse outra espécie
de iniciativas, adoptando como exemplo o que levou a cabo o seu falecido camarada
de partido, António Arnaut… De palavras estamos todos fartos.
Depois
de ler o artigo de Carlos Reis sobre o “saneamento” de Os Maias, pergunto-me se Portugal não
estará a desistir de si mesmo, da sua literatura, da sua língua, da sua Escola
Pública?
Os
mais pobres, aqueles cujos pais não têm biblioteca em casa, não vão ler Eça de
Queiroz, nem Garrett, nem Camilo, nem, pelos vistos, Cesário Verde. Fica para
os colégios privados, a quem parece estar a deixar-se a preparação das futuras
elites. À Escola Pública restará a leitura rápida de textos fáceis e curtos, ao
contrário de uma cultura de exigência sem a qual jamais poderá cumprir o seu
papel de ser um factor de igualdade de oportunidade para todos. Mas, enfim, Os Maias, como as Viagens
na Minha Terra e o Amor de Perdição colidem com o facilitismo, não há
espaço nem tempo, não cabem num SMS.
Desiste-se
da Escola Pública. Mas também do SNS,
cada vez mais descaracterizado e reduzido a um serviço caritativo para pobres
enquanto florescem as mil flores dos hospitais privados para quem pode pagar.
Como é que não se consegue travar a drenagem do SNS para o privado? Como é que
se deixa degradar a TAP e os CTT a um ponto nunca visto? E como é que sectores
estratégicos da economia continuam em mãos de empresas chinesas que são, como
se sabe, instrumentos de um Estado que não é o nosso?
Vão
com certeza chamar-me soberanista e um dia destes ainda vou ter de pedir
desculpa por ser português, gostar do meu país, da sua língua (apesar do acordo
ortográfico), dos seus Os
Lusíadas e daqueles
navegadores que segundo disse Amílcar Cabral, numa entrevista que lhe fiz para
a Voz da Liberdade, “deram de facto novos mundos ao
mundo e aproximaram povos e continentes”? Sim, eu sei que há limites para o
voluntarismo e para uma “intervenção consciente num processo histórico
inconsciente”. Mas também sei que foram a abdicação, o conformismo e o
politicamente correcto que abriram caminho à vitória de Trump e de todos os
populismos que estão a pôr em causa o que parecia definitivamente adquirido.
Vejo a pavonearem-se por aí, em várias alas direitas, ex-esquerdistas que, no
Verão Quente de 75, queriam substituir Camões pelos textos de dirigentes dos
movimentos de libertação africanos.
Alguns
de nós, que tínhamos estado presos e exilados por nos opormos à guerra e ao
colonialismo, não nos calámos nem deixámos sanear Camões. Também hoje não sou
capaz de me resignar perante esse atentado à cultura e à Escola Pública
resultante da abdicação do Ministério da Educação que remete para as escolas a
decisão de eventualmente passar Eça de Queiroz à clandestinidade.
Ao primeiro-ministro e ao Presidente
da República cabe o cumprimento da Constituição no que respeita à defesa da
língua e da Escola Pública. Gostava de saber o que pensam da retirada de Os Maias da “lista de obras e textos para a Educação Literária”
no 11.º ano. Sei que há muitos números e contas a fazer até à aprovação do
Orçamento de Estado. Mas gostem ou não, nada é tão prioritário como Eça de
Queiroz e Os Maias.
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