No
dia em que perdemos para sempre do nosso convívio uma das figuras mais
carismáticas do Bloco de Esquerda, João Semedo, o BE-PTM presta-lhe uma sentida
homenagem transcrevendo para este blog um excelente texto evocativo da sua memória
que José Manuel Pureza assina no Expresso Diário de hoje.
Há
essa coisa meio misteriosa de, dos nossos mortos, recordarmos o sorriso. O João
morreu-me. E o que eu mais recordo dele é o sorriso. Aquele sorriso de olhos
semicerrados que exibia um gosto imenso pela vida. “Tive a vida que escolhi –
disse ele - a vida que quis, não tenho nada de que me arrependa no que foi
importante. Sim, fui muito feliz (…)”. É isso: lembro o sorriso do João porque
esse era o sorriso de um homem feliz.
Conheci o João Semedo pela mão do
Miguel Portas (tinha que ser…). E rapidamente ele se tornou num camarada,
depois num amigo, e depois no meu irmão mais velho. Fiz todos os diálogos com o
João, pedi-lhe todos os conselhos, todas as opiniões. O João esteve sempre lá,
nunca me faltou.
O meu vazio com a morte do João é,
pois, pessoal antes de ser político. Um irmão não se substitui. Mas é também um
imenso vazio político. Falta-me o camarada com quem fiz tantos e tão cúmplices
anos de caminho. O João ensinou-me que um partido não se faz de frações que se
fecham em ser frações. E que as mudanças que contam não se fazem de partidos
que se fecham em ser partidos. O João tinha essa qualidade sábia de ser um
homem de partido como conheci poucos e de, sem nunca perder essa lealdade sem
sombra, ser um artífice de maiorias para mudar o que tinha que ser mudado. Foi
como homem de partido, totalmente livre e totalmente comprometido, que o João
construiu plataformas, conversas, redes, movimentos, maiorias. E foi isso que
fez do João um nome certo de tantas mudanças essenciais.
Os homens e as mulheres das diversas
esquerdas confiavam no João. Sabiam que ele não amolecia na defesa da firmeza
de princípios e que ele não se escusava a nenhum esforço para juntar gente,
vontades e saberes para dar força às causas da democracia avançada em Portugal.
Foi por isso que foi com ele que António Arnaut quis trabalhar uma proposta
para salvar o Serviço Nacional de Saúde.
Foi por isso que Laura Ferreira dos
Santos e João Ribeiro Santos contaram com ele para a consagração em lei do
direito a morrer com dignidade.
Mas havia uma outra razão para o João
ser um tipo de toda a confiança. É que o João conhecia a realidade, estudava-a
meticulosamente. Por isso as suas propostas de mudança nunca eram panfletárias
e tinham sempre uma autoridade irrecusável. O João foi sempre um ativista da
mudança das estruturas e das vidas. Sempre pelos de baixo. Juntando conhecimento,
elegância e ambição de radicalidade da transformação.
Quando se fizer a História das
conquistas de uma democracia avançada em Portugal, o nome do João Semedo estará
lá, como referência maior. Sei disso. Mas a mim fica o vazio de ter perdido o meu
maior amigo.
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